Série "The last dance" mostra o outro lado do jogador dos Bulls: batia nos colegas nos treinos e era obcecado por vencer. Valia mesmo tudo.
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Em 2020, Michael Jordan tem 57 anos. Sentado num cadeirão, copo de uísque ao lado e charuto na boca, possui distanciamento suficiente para poder recordar o passado.
A narração é do homem que o Mundo ficou a conhecer como "Air Jordan" e as imagens inéditas mostram o lado mais competitivo da estrela eterna dos Chicago Bulls. "The last dance" - em português, "A última dança" -, é um documentário da Netflix em parceria com a ESPN, que já atingiu mais de 23 milhões de visualizações fora dos EUA, e que repassa, ao longo de dez episódios, a carreira de um dos maiores prodígios da história do desporto.
É indiscutível: o "Black Jesus" - como o ex-basquetebolista Reggie Miller apelidou Jordan - era um jogador fora de série dentro das quadras. Além do talento nato, tinha uma obsessão fora do normal, pode-se dizer quase patológica, por vitórias e títulos. Algo que cresceu consigo desde a adolescência, quando a mãe o impediu de desistir do basquetebol, mesmo antes de ter começado a dar nas vistas nos campeonatos universitários.
"A última dança" condensa episódios marcantes da carreira de Jordan e desvenda pormenores esclarecedores sobre o espírito egocêntrico, arrogante e agressivo: chegou mesmo a bater em colegas nos treinos.
Entre muitas histórias, Jordan acusa Horace Grant de ser a fonte de informação de um jornalista, ao ponto de lhe contar as regras do balneário dos Chicago Bulls - o acusado nega; disse que Scottie Pippen se revelou egoísta quando adiou uma cirurgia a pensar nele próprio - o que deixou o antigo colega furioso; revela que existiam jogadores dos Bulls, rodeados por mulheres, a consumir cocaína em quartos de hotel - Craig Hodges já veio defender a honra da equipa. Tudo isto numa altura em que distribuía bilhetes dos jogos pelos colegas, de forma seletiva, criando-lhes objetivos e um clima de medo.
No meio de tanta nostalgia, podemos constatar um Jordan sempre hiperfocado, sem espaço para distrações, frio e cerebral ao ponto de inventar "jogos mentais" para se automotivar.
Uma viagem ao passado, recheada de imagens inéditas, onde não faltaram convidados especiais. Desde os companheiros de equipa, os ex-presidentes dos EUA, Bill Clinton e Barack Obama, e também nomes como Magic Johnson e Carmen Electra. Ainda hoje podemos imaginar Jordan, com a língua de fora, em voos impensáveis rumo ao cesto. "A Última Dança" expõe sem filtros o esculpir progressivo daquele que se revelou como um mito competitivo. Para alguns, um tirano. Para outros, um "Deus imperfeito".
Revelações de uma carreira de sonho
1. Experiência - Trocar básquete por basebol
O assassinato de James Jordan, pai de Michael, em 1993, teve um impacto muito grande na vida do astro norte-americano. Cerca de dois meses depois, Jordan reformou-se do basquetebol para se dedicar a um dos sonhos de infância e uma das grandes paixões do pai: o basebol. Os jornais da altura chegaram a insinuar que o homicídio estaria ligado aos problemas de jogo ilegal de Michael, algo que é desmentido no documentário. Depois de dois anos de experiência no basebol, voltou a meio da temporada 1994/1995 à NBA e aos Bulls, onde voltou a conquistar o tricampeonato (1996-1998).
2. Patrocínio Nike em vez da Adidas
Nos últimos 35 anos, a parceria de Jordan com a Nike deu-lhe lucros astronómicos. Mas se, atualmente, o antigo jogador ainda é um dos rostos da Nike, tudo se deve à insistência da mãe do basquetebolista. Num dos episódios, Jordan revelou que tinha o sonho de assinar pela Adidas, mas a inflexibilidade da marca das "três faixas" mudou-lhe o futuro. Em 1984, a mãe obrigou-o a entrar no avião para ouvir a proposta da Nike, de 228 mil euros, e a partir daí surgiu um dos casamentos mais bem-sucedidos da história. Só na venda das sapatilhas Air Jordan, o astro ganha 119 milhões de euros por ano.
3. Trauma - Vício pelos jogos de casino
Quem acompanhou a carreira de Michael Jordan sabe o quão competitivo era em campo, com a necessidade pessoal de vitórias a ser repetida a cada capítulo da série documental. No entanto, existia uma fragilidade. O craque nunca escondeu o gosto pelos jogos de sorte e azar em casinos e foi muitas vezes questionado sobre um possível vício. "Eu tenho um problema de competitividade. Nunca apostei em jogos, mas sim em mim mesmo, e era no golfe", disse. Afirmações confirmadas, tanto na época como na série. Mas que, mesmo assim, não abafam todas as suspeições do vício do antigo jogador.
4. Envenenamento - Intoxicação alimentar
Um dos duelos mais míticos da história da NBA, o quinto confronto das finais de 1997, frente aos Utah Jazz, que ficou conhecido como "flu game (jogo da gripe)", no qual Michael Jordan, visivelmente doente, marcou 38 pontos e levou os Bulls à vitória, foi durante 23 anos apelidado de algo que realmente não aconteceu. MJ esclareceu que não se tratava de uma gripe, mas sim de uma intoxicação alimentar. O craque comeu uma piza no dia anterior ao jogo, entregue por cinco pessoas (no momento ficou desconfiado) que o deixou a vomitar durante toda a noite. Mas nem isso o impediu de brilhar.