Com uma simpatia contagiante, Mário Silva falou do passado bem-sucedido nos sub-19 do F. C. Porto e também do projeto no Almería que lhe adiou o sonho de ser treinador principal de uma equipa sénior. Pelo meio, tece elogios ao dono do clube espanhol, o investidor saudita Turki Al-Sheikh, a Pedro Emanuel, técnico da equipa sénior, e sobretudo à nova coqueluche do dragão, Fábio Silva.
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Agora mais a frio, pode explicar os motivos que o levaram a deixar o F. C. Porto depois de ter conquistado, com os sub-19, a Youth League e o campeonato nacional?
Depois de ter ganho tudo e de ter estado sete anos ligado à formação do F. C. Porto, quis dar um rumo diferente à minha carreira. Eu não deixei de estar ligado à formação, embora esteja num cargo diferente. O meu objetivo, não escondo isso, era o de continuar como treinador principal e numa equipa que não fosse do escalão sub-19. No F. C. Porto não se proporcionou, porque o clube assim achou e eu sempre respeitei e respeitarei, mas a minha ambição passava por algo diferente do escalão sub-19.
Nota-se, no seu discurso, que saiu sem qualquer tipo de mágoa em relação ao clube. É mesmo assim?
Sem dúvida. Ao longo da nossa vida, temos que tomar decisões e quando temos ambição, tomamos as decisões que achamos ser as mais corretas. O F. C. Porto é um clube que me diz muito, no qual me senti bem enquanto jogador e treinador. As pessoas ajudaram-me e proporcionaram-me estar aqui hoje. Achei que, naquele momento, face ao que o clube pretendia para mim, tinha chegado a altura de pôr um ponto final na ligação, mas espero que as pessoas percebam que estou sempre disposto a regressar ao F. C. Porto, se assim for o desejo das pessoas da administração.
Quando recebeu prémio Quinas de Ouro, falou dos treinadores mal e não remunerados da formação. Foi também isso que o levou a deixar o F. C. Porto?
Não, comigo não. Felizmente, em termos de remuneração, não me queixo, nem nunca me queixei. Eu nunca procurei a remuneração para fazer um bom trabalho. Depois de ter ganho o prémio de melhor treinador da formação não pude esquecer que muitos treinadores de formação trabalham em condições adversas, com condições financeiras que não são nada atrativas, mas que, com a sua paixão, dão um contributo importante para o futebol português.
Antes de irmos ao novo rumo que deu à carreira, é impossível não lhe pedir umas palavras sobre Fábio Silva, com quem trabalhou nos últimos dois anos.
É um menino que tem um potencial enorme, uma qualidade acima da média. É um predestinado para o futebol e, para mim, o que lhe está a acontecer não é surpresa nenhuma. Conheço-o bem, acho que tem algo especial. É um atleta de eleição, é humilde, já está a triunfar e a curto prazo será uma referência do futebol português. No F. C. Porto e no futebol português. Estes dois anos demonstraram-me que estamos perante um jogador com um potencial enorme, com uma margem de progressão igualmente enorme...
E ele ficou bem entregue nas mãos de Sérgio Conceição?
Sim, sem dúvida. É um treinador que admiro, disse-o no passado e as pessoas podiam pensar que o tinha feito por ser treinador dos sub-19 e ele ser da equipa principal, mas não. Reafirmo agora: o Sérgio é um treinador que admiro, a quem reconheço muita competência, partilhei com ele alguns momentos, sobretudo na época passada. Sempre admirei a forma de ele ser como treinador e, por isso, acho que o Fábio está claramente em boas mãos. A prova está dada, o que o Fábio tem feito tem a mão do treinador. Acredito que o Sérgio sabe gerir, melhor do que ninguém, um jogador como o Fábio e sabe fazê-lo crescer. É o que está a acontecer.
Diogo Costa, Diogo Leite e Baró também já jogaram na equipa principal do F. C. Porto, mas os outros campeões europeus de sub-19 ainda não. Será uma questão de tempo ou ainda precisam de trabalhar mais?
Acho que é uma questão de tempo e oportunidade. Ninguém acreditava que fosse possível aquela geração dos sub-19, no ano passado, fazer o que fez, porque estávamos perante jogadores que nunca tinham ganho nenhum título no F. C. Porto, mas acho que acabámos por notar que estamos perante uma boa geração. Quem não me conhece não sabe, mas eu sou assim, acho que não foi o meu trabalho, foi acima de tudo o trabalho deles, o acreditarem que era possível. Alguns vão demorar mais tempo a chegar à equipa principal, mas quando surgir a oportunidade eu sei que eles têm capacidade e estão preparados.
O que fez neste espaço de tempo entre a saída do F. C. Porto e a chegada ao Almería?
Aproveitei para passar umas férias mais longas, aproveitei para estar perto da família e, quando surgiu o convite do Almería, estava a preparar-me para fazer alguns estágios com equipas em que pudesse aprender mais.
Os filhos Martim e Miguel também são jogadores. Eles vão continuar por Portugal?
Sim, isso é importante para eles, estão felizes nos respetivos clubes. Eu, como diretor de uma academia, podia contratá-los [risos], mas acho que estão os dois muito bem. O Miguel no Rio Ave, apesar de ser um clube de menor dimensão do que, por exemplo, o F. C. Porto, onde está o Martim, é um clube onde ele gosta de estar. O Martim no F. C. Porto é igual, é o clube do coração dele, é onde se sente bem. Não fazia sentido estar a tirá-los do contexto deles, porque é o contexto em que eles gostam de estar inseridos. Isso para mim é o mais importante.
E a filha Matilde também fica...
Sim. Trabalhamos para proporcionar boas condições de vida aos nossos, para que possam ser bem formados. Têm os amigos, o pai sempre que pode vai vê-los, quando não pode falamos por telefone. Foi a profissão que eu escolhi e, por isso, a minha família já estava preparada para um dia em que isto pudesse acontecer.
Recebeu muitos convites para treinar equipas principais?
Mais do que convites, tive muitas abordagens, que acabaram por não se concretizar. Depois de ter ganho a Youth League e o campeonato a uma equipa recheada de talentos individuais, como é o Benfica, despertei a atenção de clubes e presidentes, mas só este projeto no Almería se concretizou.
Como surgiu esta oportunidade de ser diretor técnico de toda a formação do Almería?
O dono do clube, o míster Turki Al-Sheikh, é uma pessoa muito especial, pela forma apaixonada como vive o futebol, pelos conhecimentos que tem sobre este mundo. Convidou-me para falar de futebol em casa dele, na Arábia Saudita. A mim e a outros treinadores. Por fim, convidou-me novamente para regressar à Arábia Saudita e, aí sim, endereçou-me o convite para ser diretor técnico da equipa que tinha acabado de comprar. Direcionou a aposta dele para a minha pessoa e isso deixou-me orgulhoso e feliz. Pela paixão que ele tem, pelo projeto que me foi mostrado, não poderia rejeitar, apesar de querer ser treinador principal. Face àquilo que me apresentou, mereceu que aceitasse. É um projeto aliciante, difícil...
Mas vai abraçá-lo com toda a ambição.
Claro. E quando conseguirmos criar a cidade desportiva e equipas competitivas na formação, para ombrear com os grandes clubes de Espanha, como é óbvio, nesse dia, será igualmente um dia de orgulho para todos e para mim também.
Também houve dedo do Pedro Emanuel, treinador da equipa principal do Almería, para esta mudança do Mário?
Provavelmente, pediram-lhe informações sobre a minha pessoa e de certeza absoluta que ele ajudou. Somos amigos, fomos colegas de profissão enquanto jogadores, sempre mantivemos uma boa relação, de amizade e respeito mútuo. Como é lógico, quando surgiu o convite, sabendo que o Pedro era o treinador da equipa principal, foi um motivo extra para que a mudança acontecesse naturalmente.
Entretanto, o Mário já colocou o Nandinho no comando técnico da equipa B.
Sim, as coisas na equipa B, a nível de resultados, não estavam a correr bem e foi-me pedida a opinião sobre um treinador que pudesse vir para cá para nos ajudar a mudar o rumo das coisas. Acredito que o Nandinho é a pessoa certa neste projeto que é ambicioso e que o seduziu a ele também.
BI Mário Silva
Data de nascimento: 42 anos (24/04/1977)
Função: diretor técnico da formação do Almería
Títulos como jogador: Liga portuguesa (2), Taça de Portugal (2), Supertaça, Liga francesa
Títulos como treinador: Youth League, Campeonato sub-19