Mediatização do futebol é vista como rampa de lançamento por Filipe Serralva, dirigente da AMEF, que aponta a uma estratégia social de sobrevivência, que alargue ao máximo a formação em suporte básico de vida para que se salvem mais vítimas em paragem cardiorrespiratória e se tire Portugal da cauda da Europa.
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Médicos de 18 clubes de futebol participaram num curso de Suporte Avançado de Vida (SAV), acreditado pelo INEM, no passado fim-de-semana, no Estádio do Bessa, promovido pela Associação Nacional de Médicos de Futebol (AMEF). A associação vai ainda fornecer gratuitamente 22 Desfibrilhadores Automáticos Externos (DAE) às 22 associações distritais de futebol do país. A AMEF também pretende formar 396 elementos das associações Distritais em Suporte Básico de Vida (SBV) com DAE e mais 48 médicos do futebol em SAV.
Depois do primeiro curso de formação que decorreu em Aveiro, o Bessa colheu o segundo. “O curso de Suporte Avançado de Vida vai capacitar os médicos a saber atuar de forma organizada numa situação de paragem cardiorrespiratória. No fundo, sistematiza a resposta que deve ser dada para reanimar uma pessoa”, explicou ao JN Filipe Serralva, médico, dirigente da AMEF, responsável pelo Centro de Formação de Socorro e Emergência Médica da associação. “A AMEF tem estado a trabalhar com a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal para tornar obrigatório aos clubes que recebem um jogo ter uma equipa de suporte avançado de vida para os atletas e para os espectadores, em caso de necessidade”, completou.
Mas o futebol é apenas um veículo para se chegar às pessoas. “Em Portugal, apenas em 19 por cento de casos em que temos uma paragem cardiorrespiratória esteve alguém a fazer manobras, ou seja, um quinto das situações. Na Europa, a média é de 58 por cento, três vezes superior ao que temos em Portugal e há países que têm 80 por cento. Portanto, é um fator crítico e é isso que queremos mudar. Queremos que o SBV seja massificado. Não me vai adiantar muito saber como atuar se não tiver mais gente capacitada à minha volta se precisar que me salvem”, argumentou Filipe Serralva.
A situação ganha ainda mais dimensão olhando para outros números: “O número de pessoas que sobrevive a uma paragem sem SBV é de 3,4 por cento. Com SBV, a percentagem sobe para 7,4, mais do dobro, o que é altamente significativo. Portanto, o SBV salva e salva ainda mais aliado ao DAE. Isto tem de funcionar como uma estratégia social de sobrevivência na qual toda a comunidade tem formação e é capaz de proteger uns aos outros”.
Em caso de paragem cardiorrespiratória, cada minuto conta. “Se não houver SBV perde-se 10 por cento de hipóteses de reanimar uma vítima. Se demorar cinco minutos, já se perderam 50 por cento de hipóteses e em dez minutos a vítima estará morta e teremos perdido a possibilidade de a reanimar”, daí ser decisivo que se multipliquem os DAE e as pessoas formadas. “É preciso que haja muitos mais DAEs de maneira que se garanta que a chegada a uma situação seja inferior a três minutos, que é o que recomenda o INEM. Para isso pensamos em dar formação gratuita a todas as associações distritais e que essas pessoas possam ser incluídas no plano nacional de DAEs. Vamos dar um DAE a cada uma das 22 associações distritais de futebol e vai incluir licenciamento no INEM, auditoria médica para dois anos e manutenção. Será totalmente gratuito. Queremos sensibilizar o país todo e queremos que os clubes tornem mais medidas de proteção para os seus atletas, staff e espectadores, para que o futebol seja mais seguro”, sublinhou Filipe Serralva.
A AMEF é uma associação sem fins lucrativos e uma das poucos acreditadas pela American Heart Association em suporte avançado de vida pediátrico e pelo INEM em suporte básico de vida. “Temos tido colaboração da Liga Portugal, formamos cerca de 100 pessoas no ano passado, incluindo ilhas. Temos tido muita ajuda da Federação Portuguesa de Futebol e estamos aqui para ajudar os nossos médicos dentro dos clubes para os sensibilizar ao nível dos atletas, dos seus funcionários, espectadores”, insistiu.
Formação pediátrica fazia falta
Sara Freixo é médica a terminar internato de medicina física e reabilitação no hospital de Braga e integra o departamento médico da formação e modalidades do SC Braga e aceitou partilhar a experiência que leva desta formação. “Como médicos de clubes desportivos somos as pessoas que precisam de estar aptas para atuar em situações necessárias, porque não estamos habituadas a isso, mas temos de estar preparados, porque é nestes momentos que podemos treinar”, comentou, valorizando uma vertente importante, que se prende com a formação e que é preciso ter bem presente. “A parte da formação pediátrica era a que faltava, porque lidamos com centenas de crianças e é diferente socorrer um adulto e uma criança em paragem cardiorrespiratória. Com este curso ficamos aptos para preparar o nosso clube e saber o que é necessário para atuarmos”, apontou
Bessa fez jus à tradição
O médico do Boavista, Pedro Prata, foi o grande anfitrião do curso da AMEF. “O futebol acaba por ser um exemplo ao nível da sociedade. Para os departamentos clínicos, ao promover estas ações de emergência, vamos estar a valorizar os departamentos clínicos e ao mesmo tempo transmitir isso para a sociedade. A formação constante acredita cada vez mais os departamentos clínicos para desempenhar as suas funções”, comentou.
Para o Boavista, este é também uma forma de valorização dos seus profissionais, num clube que habituou a estar na linha da frente em termos de medicina desportiva. “Fiz o curso em Aveiro e quando tive conhecimento que ia ser realizado no Norte, fiz questão que se realizasse no Boavista. Historicamente, o departamento do Boavista tem tradição na formação de médicos e na medicina desportiva e sempre foi muito ativo na formação. Neste caso, em parceria com a AMEF, queremos revitalizar o papel do departamento clínico que o Boavista já teve e a parte formativa que é importante na atuação dos médicos”, rematou Pedro Prata.
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