Meninos sírios fugiram do pesadelo da guerra e sorriem nas escolinhas do Leixões.
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Fugiram da guerra na Síria com a roupa que tinham no corpo e a mente repleta de feridas impossíveis de sarar. Dois anos depois, são duas entre as cerca de 40 crianças que jogam futebol na Escola João Faneco, do Leixões, com o rosto repleto de felicidade.
Omram Bajboj, de nove anos, e o irmão Mohammed, de sete, têm no futebol um palco privilegiado de integração na comunidade matosinhense, que lhes possibilitou recuperarem a alegria de voltar a ser crianças. Eis a história daquilo que o futebol tem de mais puro e genuíno.
Quinta-feira, 18 horas, Bairro dos Pescadores, em Matosinhos. Como combinado com o responsável da academia leixonense, Jorge Moreira, o JN está no local para fazer a reportagem com os meninos sírios. Mohammed entra logo para o campo e começa a correr. Omram cumprimenta os dirigentes, olha para o bloco de notas e para as máquinas fotográficas da nossa equipa de reportagem e mostra alguma desconfiança. Mas, de imediato, sossega. Tudo porque, numa brincadeira, lhe dizem que o jornalista do JN é primo de Cristiano Ronaldo.
O olhar temeroso transforma-se, num ápice, numa expressão de admiração. E, mesmo perante as nossas sucessivas negações, Omram nunca mais perdeu o sorriso. E abriu o coração. Sempre num português fluente, capaz de servir ainda de tradutor ao irmão e ao pai.
A família Bajboj, casal e quatro filhos, chegou a Portugal faz amanhã oito meses. A principal prioridade foi integrar os jovens e, para tal, nada melhor do que o futebol. "Fomos contactados pela responsável do Jardim de Infância Santa Cecília para integrar os meninos e, como não podia deixar de ser, mostrámos logo todo o interesse em os acolher. Primeiro, explicámos aos outros meninos a realidade do Omram e do Mohammed, que já estão perfeitamente integrados. A nossa escola é um porto de abrigo para quem necessitar. Mais do que a vertente desportiva, a nossa prioridade é o cariz social e passar valores fundamentais às crianças, como a solidariedade, o respeito e a união", explica Jorge Moreira, perante o olhar atento de Omram.
"No início, o Omram desconfiava de tudo e de todos. E era até um pouco agressivo e crescido para a idade. Agora, está completamente integrado e já nos vê como uma família. É um miúdo normal", complementa o treinador Leandro Isaac, que nesta época orienta Mohammed.
"Havia muita confusão na Síria e tivemos de vir para cá. Aqui, tenho novos amigos para jogar futebol", começa por dizer Omram, com um brilho no olhar. "Gosto muito de cá estar. Quando for grande, quero ser como o Messi e jogar no estádio do Leixões", prossegue, antes de ensaiar mais um dos cânticos de apoio ao clube do Mar, uma constante entre os jovens da Escola João Faneco.
Mais tímido, Mohammed mostra ter um talento natural para o boxe, mas o fascínio por Cristiano Ronaldo e o futebol levam-no para dentro do campo. E nem mesmo os ferimentos nas pernas causados por uma bala o impedem de acompanhar os restantes colegas. "Gosto de marcar golos e de estar aqui com os meus novos amigos", explica Mohammed, com um olhar de quem recuou no tempo e relembra todas as amarguras vividas no país natal.
Finalizado o treino, é hora de regressar a casa na companhia do pai, Radwan Bajboj, de 37 anos. "O Omram gosta muito de futebol e isto, para ele, é um sonho. O Mohammed também gosta de jogar, mas prefere o boxe. Treinámos muitas vezes em casa. Estamos muito felizes pela forma como o Leixões, as escolas e as pessoas nos têm tratado", diz o progenitor, antes de regressarem a casa. Em paz e entre muitos sorrisos.