Noronha Lopes, de 54 anos, ambiciona transformar-se no rosto da liderança do Benfica, um clube que considera esgotado, sem ambição e que não aguenta mais quatro anos com Luís Filipe Vieira. O crescimento europeu, o aproveitamento da formação e um novo modelo de gestão transparente são ideias-chave do candidato, que promete uma mudança sem sobressaltos, um diretor desportivo para o futebol e dá a entender que Rui Costa não faz parte do seu projeto.
Corpo do artigo
Quais as diferenças entre o seu projeto e o de Luís Filipe Vieira?
Vieira só fala do passado e não apresenta nenhuma ideia de futuro, não discute com os sócios, nem debate com os candidatos. Além disso, parece que mais quatro anos representam um fardo. Do meu lado, há otimismo, energia de uma nova geração que reconhece o passado, mas que tem uma ideia para o futuro. Já apresentámos um programa com mais de 90 medidas, que tocam a gestão desportiva, ecletismo, transparência, importância dos sócios, marketing, internacionalização e sustentabilidade. O desafio é assumido com vontade e garra para levar o nome do Benfica mais alto na Europa.
O clube pode ganhar a Champions ou é uma ideia utópica?
Pode fazer muito melhor do que tem feito, passar a fase de grupos todos os anos e chegar aos quartos de final. Isso é possível. E não venham com o argumento de que não é porque as receitas não são comparáveis com as do Manchester United e do Bayern.
Como assim?
Numa análise comparativa com outros clubes, que não aqueles colossos, mas sem a nossa grandeza no número de adeptos ou potencial de crescimento, esses conseguiram chegar mais longe com competência e profissionalismo. E vários estiveram na "final eight" [quartos de final]. Tem de haver ambição. O Benfica não pode acabar na Segunda Circular, nem estar contente por estar onde está. Se alguém acha que hegemonia é o que existe hoje em dia, então não votará em mim. Quero muito mais.
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2020/10/16out2020_luisa_entrevista_noronhalopesbenf_20201016212919/mp4/16out2020_luisa_entrevista_noronhalopesbenf_20201016212919.mp4
Preconiza um modelo sustentado na formação?
O Benfica tem um trabalho bem feito nesse sentido. Quero formar para jogar e não para despachar. A formação tem de continuar a ser uma das bases da equipa, mas deve ser complementada com a aquisição de mais-valias. Não podemos gastar 16 milhões de euros nos últimos três anos e meio em jogadores que nunca vestiram a camisola do clube. Temos de continuar a vender jogadores da formação. Mas há que o fazer menos vezes e retê-los mais tempo.
E como se consegue isso?
Temos cerca de 140 milhões de receitas, sem transações, que não chegam para os custos. E há duas maneiras de ultrapassar isto. Ou vendemos cada vez mais ou temos de garantir mais receitas. Isso consegue-se indo mais longe na Champions, já que as aumentam, valorizamos o plantel e as transações serão mais elevadas. Há que potenciar o merchandising, as camisolas e tudo o que o clube pode aproveitar lá fora. É uma área pouco explorada. Ninguém compra uma camisola porque se muda um emblema. Mas sim quando há triunfos e temos jogadores conhecidos. Este tem sido o grande problema de Vieira: não saber conciliar as contas certas e a ambição desportiva. Ele valoriza e celebra mais as vendas do que os títulos. Mas o que enche o Marquês são as vitórias.
Aceitou integrar um elemento do movimento "Servir o Benfica". Está disponível para receber Rui Gomes da Silva?
A lista está fechada e entregue. Rui Gomes da Silva é um benfiquista que respeito e gostaria muito que se juntasse a este movimento, num apoio à candidatura dos que não se reveem em Vieira.
Disse que Pinto da Costa representava o pior do futebol português. Terá alguma relação com o líder do F. C. Porto?
Tenho o maior respeito pelo F. C. Porto e seus adeptos. Agora Pinto da Costa representa o passado do futebol português. Há que fazer muitas mudanças e não serão feitas enquanto presidir o clube. Não terei com ele a relação que manterei com os lideres de outros clubes, pois representa o passado.
Vieira diz que só se demite se ele ou o clube forem condenados. Que limites traça no seu caso?
Tenho uma carreia de 20 anos como gestor. Subi a pulso. Não pedi, nem nunca fiz favores a ninguém. Ascendi na hierarquia de uma das maiores companhias do mundo [McDonalds] fiel aos meus princípios éticos e com bons resultados. Ando de cabeça erguida. A minha declaração de rendimento será entregue a uma Comissão de Ética com toda a informação financeira e patrimonial.
12931137
Vai ser um presidente não remunerado ou admite alterar os estatutos?
Tive uma carreira de 20 anos de gestor e posso contribuir com a minha experiência e capacidade para ser presidente do Benfica. Estou em condições de não ser remunerado durante o mandato.
Se fosse acusado, como o atual presidente, já se teria demitido?
Não farei comentários sobre os casos judiciais. Nenhum benfiquista gosta que o nome do clube apareça nos títulos dos jornais pelos motivos errados. Todos queríamos ter mais títulos desportivos e menos nos jornais.
A presença de políticos e juízes nos camarotes tem sido criticada. Como vê essa a situação?
É normal que existam relações institucionais e a presença de elementos dos órgãos de soberania nos camarotes acontece em todo o lado. Discordo é que haja promiscuidade entre futebol e a política, principalmente no quadro de umas eleições num clube como o Benfica. É por isso que não tenho na minha lista ninguém ligado à política ativa, nem a comissão de honra entregue a políticos. Aliás, nem sequer a tenho, pois o Benfica é um clube popular e todos os sócios são honrados.
Diz que Vieira não quis debater, mas também não fez debates com os outros candidatos...
O meu adversário é Luís Filipe Vieira e qualquer debate só será útil se o envolver. Tem toda a legitimidade para defender a sua obra, mas não pode ter medo. Quando se lhe fazem críticas não se está a criticar o Benfica.
Se perder vai recandidatar-se?
Estou aqui para ganhar e não para me posicionar para o futuro. Se não vencesse, nunca mais me candidataria. O Benfica não aguenta mais quatro anos desta gestão, o ciclo acabou. E quando vejo o presidente dizer que não é com eleições que se escolhe o sucessor, mas que tem de ser designado por ele, isso representa a negação da democracia. Há muita gente competente para ser presidente e eu sou uma delas.
Rui Costa? Diretor desportivo entra na altura certa
Rui Costa tem condições para ser diretor desportivo?
Tem tido um papel muito discreto e parece que assumirá agora um mais ativo. Veremos como o cumprirá e qual a autonomia face ao atual presidente. Tenho um perfil de um diretor desportivo e uma organização muito clara também adotada nos grandes clubes europeus, mas não farei nada para gerar instabilidade a meio da época. O objetivo impõe que o Benfica seja campeão e ganhe a Liga Europa. O meu diretor desportivo chegará na altura certa. Não farei qualquer mudança radical que coloque em causa os nossos objetivos.
Jorge Jesus será um treinador de transição ou o do seu mandato de quatro anos?
Será o meu técnico. Tem contrato de dois anos e respeitarei completamente o vínculo.
Foi crítico da venda de alguns jogadores. Como é que seguraria Rúben Dias como uma proposta de 68 milhões de euros e o que diria a Tiago Dantas, que pediu para sair?
O Benfica tem de criar condições para não ter de vender esses jogadores. Vamos ser claros. Rúben Dias foi vendido porque pura e simplesmente Vieira falhou mais uma vez a presença na Europa e viu-se obrigado a recuperar os milhões da Champions. São factos admitidos por Jorge Jesus. Quando vejo elogios à capacidade de negociador do presidente fico espantado. Não tem de ser um grande negociador, mas um gestor desportivo que consiga mais vitórias para o clube na Europa.
E o caso de Tiago Dantas?
É uma decisão incompreensível e uma história mal contada. Não percebo como é que um jogador apontado por todos como a próxima pérola da formação sai com uma opção de oito milhões de euros. Como é que o Bayern viu valor e o Benfica não? Depois parece que há uma cláusula de confidencialidade. Não entendo porquê? Quem a impôs? Estamos mais uma vez perante um negócio pouco transparente.
Qual será a relação com as claques? Devem manter o atual estatuto ou serem legalizadas?
Queremos um futebol em que nos sintamos confortáveis e em que todos tenham lugar. Quanto à lei do adepto, percebo a intenção, mas foi um remate ao lado. Não vem resolver o problema. O documento está ferido de algumas ilegalidades e, principalmente, criou dificuldades nos jogos fora. Por exemplo, não permitindo que um espectador seja acompanhado pelo filho menor de 16 anos para a zona do adepto. Quando for eleito, pedirei uma reunião com o secretário de Estado do Desporto para tentar solucionar o tema de uma vez por todas. A situação tem de ser resolvida de baixo para cima, não de cima para baixo e em diálogo com os adeptos, a Liga, o Governo e as autoridades policiais. Será uma das minhas prioridades.