De "Special One" a "Normal One". A carreira de José Mourinho está a entrar numa das fases mais complicadas e sobra uma questão: onde está o brilho nos olhos de um vencedor nato?
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Os últimos anos de vida desportiva de José Mourinho não têm sido fáceis. A falta de títulos, a dificuldade em convencer os adeptos com qualidade de jogo e a falta de sintonia constante com o balneário têm mudado a perspetiva de um treinador que, em tempos, foi considerado como o melhor do Mundo.
Nas últimas épocas a imagem de José Mourinho tem sido marcada por maus resultados, fraca qualidade exibicional, escassez de títulos e constantes críticas à arbitragem e aos jogadores, quase como uma forma de afastar as atenções do cerne da questão: não tem sido capaz de levar uma equipa ao sucesso pretendido.
Agora na Roma as expectativas não passam pela conquista do título italiano mas apenas por garantir uma posição que dê acesso à Liga dos Campeões. "Ninguém pensava que íamos ganhar o campeonato, mas estivéssemos um pouco melhores nesta altura", pode ler-se no jornal italiano "La Gazzetta Dello Sport". A equipa é mais vista como um projeto a médio prazo, com vários jogadores jovens que podem marcar o futuro do clube. Terminar nos quatro primeiros lugares será o objetivo prioritário para os romanos, mas até nisto Mourinho mudou o pensamento. Passou de um treinador que falava em "estar no quarto lugar" para alguém que agora fala em "lutar pelo quarto lugar", um discurso completamente diferente que também impacta a motivação dos jogadores.
A equipa está na pior sequência da época, com apenas uma vitória em oito jogos. Em 2019/20, Mourinho esteve oito jogos sem vencer no Tottenham, registo que em tempos passados seria impensável para alguém como o português, habituado desde cedo a ganhar. A derrota no domingo em Veneza (3-2), depois de ter estado a vencer por 2-1, está a levantar muitas questões sobre a continuidade de José Mourinho, apesar do clube manter a confiança no treinador. A verdade é que a imagem do técnico já não é a mesma do passado, alguém a respirar confiança o tempo todo e a ver nas dificuldades uma oportunidade.
A Roma não tem a melhor qualidade de jogo em Itália, foi goleada (6-1) pelo modesto Bodo/Glimt, da Noruega, na Liga Conferência, e tem um treinador que parece apenas contar com uma dúzia de jogadores, após um mercado de transferências onde foram gastos 124 milhões de euros em reforços. Tanto a nível de discurso, como de jogo, Mourinho está com dificuldades e são cada vez mais as dúvidas se realmente o técnico mantém todas as qualidades que o levaram a ser especial.
Em Itália, a mesma publicação escreve esta segunda-feira que o treinador "já não é intocável como era há umas semanas" e muitos adeptos consideram a qualidade de jogo da equipa "pobre".
José Mourinho nunca esteve tanto tempo (quatro anos) sem conquistar um troféu e a percentagem de vitórias tem vindo a cair ano após ano - era de 68,5 % e nos últimos anos passou a ser de 55,5%. Parece ter perdido a fome de vencer, o espírito de liderança de outrora, e aquele brilho nos olhos de um vencedor nato está a escurecer. Mas quando é que Mourinho passou de "Special One" para o "Normal One"?
A subida - The Special One
Quando José Mourinho assumiu o comando técnico do F. C. Porto, em 2002, era conhecido por ser o tradutor de Bobby Robson no Barcelona, mas também por alguém com uma personalidade forte, que tinha tido uma boa "escola", com professores como o técnico inglês e Van Gaal. A dúvida residia se Mourinho seria capaz de devolver aos dragões a hegemonia no futebol português antes conseguida.
Mourinho entrou no clube portista pela porta da frente e arrombou-a com violência. Na primeira temporada completa de azul e branco foi campeão nacional, venceu a Taça de Portugal e colocou o F. C. Porto no topo da Europa com a conquista da Taça UEFA (atual Liga Europa). No ano seguinte, transcendeu-se ao nível de "Special One" ao vencer de forma improvável a prestigiada Liga dos Campeões.
Inovou na forma de treinar, introduzindo os conceitos da periodização tática de Vítor Frade, revelou-se um mestre na gestão de balneário e entregava video-análises dos adversários aos jogadores. Mourinho estava à frente do seu tempo e o sucesso, interno e internacional nos dragões, valeram-lhe uma transferência para o Chelsea, onde conquistou a Premier League e chegou às meias-finais da Champions. Desde aí, seguiram-se mais dois anos de triunfos em Londres, até tomar as rédeas do Inter de Milão, histórico de Itália mas com uma seca de títulos de vários anos.
Nos "nerazurri", Mourinho conquistou tudo: a Liga, a Taça, a Liga dos Campeões, o balneário e os adeptos. Depois de devolver o Inter ao estatuto que antes teve, foram muitas lágrimas derramadas por aficionados e jogadores aquando do anúncio da sua saída para o Real Madrid, algo bem contrastante com a realidade atual. Basta ver aquela imagem do treinador agarrado a Materazzi, ambos a chorar, por saberem que aquela final da Champions frente ao Bayern Munique seria o último jogo do treinador no Inter.
Em Espanha, o técnico apanhou o Barcelona de Pep Guardiola, uma das equipas mais fortes dos últimos anos. Apesar do desafio, conquistou uma Taça do Rei, uma Liga espanhola e uma Supertaça. Falhou em vencer a Liga dos Campeões, mas devolveu o sucesso interno quatro anos depois.
Regressou, em 2013, ao Chelsea, para se sagrar novamente campeão de Inglaterra, uma época depois de ter assumido o comando dos "blues". Chegou e venceu, bem ao seu estilo, mas esta segunda passagem por Londres marca também o começo da queda.
A instabilidade - quem é este Mourinho?
Em 2015/16 José Mourinho teve um começo de época complicada, com derrotas, constantes problemas com jogadores e com a comunicação social. Foi despedido, novamente, do Chelsea após 25 jogos completados. No ano seguinte, assumiu o comando do Manchester United, ainda debilitado pela saída de Alex Ferguson. O investimento na equipa foi grande, mas dentro de campo os resultados não corresponderam como planeado.
A qualidade de jogo não convenceu os adeptos, habituados a uma equipa mais demolidora ofensivamente. O Manchester United terminou no sexto lugar da Premier League, mas conseguiu vencer a Liga Europa, a Taça da Liga e a Supertaça. Apesar de ter ficado no segundo lugar da Liga na época seguinte, Mourinho voltou a não sobreviver ao terceiro ano num clube. Entrou em colapso com o balneário, com constantes notícias a serem lançadas acerca da quebra de ligação com os jogadores e Direção, que acabou por resultar em mais um despedimento.
Nesta altura, levantavam-se as dúvidas se o treinador seria capaz de se reinventar, numa espécie de "atualização" das ideias para voltar aos tempos áureos da carreira. Em 2019/2020, após o despedimento de Pochettino, adorado pelos adeptos do Tottenham, entra em cena José Mourinho. Pouco consensual entre os aficionados, mas com a aura de quem poderia dar ao clube o primeiro título desde 2008.
O técnico português entrou em cena na 13ª jornada do campeonato, com o clube no 10º lugar. A equipa estava ainda destabilizada pela saída de Pochettino, que orientou o Tottenham durante cinco temporadas, e a habituar-se às ideias de Mourinho. Não convenceu na totalidade, mas tendo em conta o contexto, o ano seguinte avizinhava-se positivo.
Após várias contratações e uma pré-época completa, o Tottenham alcançou o primeiro lugar na Premier League à 9ª jornada, tendo permanecido na liderança durante quatro jogos, fazendo sonhar os adeptos dos "spurs". A partir daí, seguiu-se um período de altos e baixos, sem nunca conseguir os resultados pretendidos nem a qualidade de jogo exigida. Mourinho foi despedido já perto do final da temporada, novamente.
AS Roma - paciência e estabilidade
José Mourinho tem em Roma um plantel diferente daqueles que encontrou em Madrid, Milão ou Londres. A equipa é mais jovem, é vista como um projeto a médio prazo para devolver à AS Roma o estatuto de uma das formações mais poderosas de Itália. Para conseguir ser o cabeça de cartaz deste renascimento, o treinador terá de ter paciência no desenvolvimento dos jovens. A estabilidade que não conseguiu em Manchester ou no Tottenham, fruto das picardias com árbitros ou comunicação social, revelou-se uma das causas para o insucesso e não é isso que Mourinho precisa em Roma. Mas será que o toque de Midas ainda existe?