O cheiro a corpos queimados: as memórias do antigo adjunto do F. C. Porto sobre o atentado em Madrid
Julián Calero era polícia na cidade de Madrid e viveu de perto o atentado terrorista do dia 11 de março de 2004 em Atocha. Ex-técnico adjunto de Julen Lopetegui revela tudo ao jornal espanhol "Marca".
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Faz hoje 20 anos que a cidade de Madrid acordou em pânico por causa um atentado terrorista na estação de Atocha que vitimou 193 pessoas. "O que vivi mudou a minha vida. É a mochila que terei de carregar durante toda a minha vida", adiantou Julián Calero, que foi adjunto de Julen Lopetegui no F. C. Porto, e que há duas décadas era polícia e viveu de perto todas aquelas horas de pânico e terror na capital espanhola.
"Entrámos na estação. As pessoas andavam de um lado para outro, desorientadas, com o rosto negro por causa das cinzas, do fumo, muitos estavam ensanguentados, pareciam verdadeiros zombis. Sabíamos que estávamos a entrar numa zona de horror", recorda, ao jornal "Marca", o atual treinador do Cartagena, da 2.ª divisão espanhola.
Calero, de 53 anos, vai escrever uma biografia para colocar no papel as emoções de um dia que marcou o povo espanhol. Uma das memórias que continua a viver com ele é o cheiro a carne queimada, os gritos de desespero, a dor e o choro das pessoas. "Naquele caminho, nas escadas, aquele cheiro em Atocha vai morrer comigo na minha memória. Havia muitas pessoas sem vida, várias pessoas mutiladas, sangue, fumo", destaca.
Na tentativa de salvar várias vidas humanas, foram surpreendidos com uma mensagem: "Corram, há outra bomba, corram. Logo quando estávamos a ajudar uma mulher grávida a sair do comboio. Ela saiu com vida, mas uns dias depois disseram-me que não sobreviveu", conta o treinador. "Parecia um pesadelo, um sonho mau", adianta.
Nesse dia, ajudou os serviços médicos a transportar os feridos e encontrou o filho de um dos seus melhores amigos. "Contou-me que as pessoas que estavam à sua frente serviram de escudo e nunca esquecerei a cara da sua mãe à procura dele no pavilhão. Quando nos cruzámos e lhe disse que ele estava vivo, a sua expressão, os olhos... demos um abraço forte. Acho que aquele abraço era o oxigénio que precisava para continuar ali, a ajudar", recorda Julián Calero.
Quando chegou a casa, depois de viver toda aquela experiência traumatizante, agarrou-se à família mas nunca se esqueceu das peripécias daquele dia sangrento: "Só queria abraçá-los, mais do que nunca queria abraçá-los. Depois comecei a contar à minha mulher o que tinha acontecido. Nunca mais nada foi igual, as viagens, o trabalho, a vida... Continuas a viver, mas há sempre uma mágoa, a do 11 de março".