A influência dos treinadores, mais defesa e menos talento. Que futebol teremos depois do Catar? O JN ouviu a opinião de quatro treinadores.
Corpo do artigo
O cinismo italiano é célebre porque, em 1982, a Itália travou o Brasil, um dos melhores de sempre; o "tiki-taka" emancipou-se e universalizou-se em 2010 e agora, em 2022, nunca foi tão discutido e questionado, precisamente pelo descalabro da seleção espanhola. De quatro em quatro anos, o futebol é posto à prova. Os Mundiais são a balança que pesa tendências, modas, inovações e que, muitas vezes, determina o que será o jogo daí para a frente. Ainda por cima, o futebol não pára de evoluir, é cada vez mais complexo e exige, por isso, mais reflexão e estudo; assim, essas discussões ganham pertinência se se quer respostas para os problemas do jogo. No Catar, também se tiraram notas.
"Neste Mundial há muito dedo do treinador, o que também não é alheio ao facto de estar a decorrer a meio da época. Muitas vezes, o jogador já vem saturado quando chega à seleção, neste caso isso não acontece e dá mais espaço para o treinador intervir", começa por dizer, ao JN, João Nuno Fonseca, analista e treinador, que já passou por Benfica, Nantes ou Stade Reims como adjunto.
A influência dos treinadores é também realçada por Luís Castro, que tirou ilações "de muita diversidade tática". "Até dentro da mesma equipa foi possível ver-se a alteração de sistemas durante o mesmo jogo e com os jogadores a interpretarem muito bem todos os momentos", explica o treinador do Botafogo. Já Vasco Seabra destacou os vários papéis dados aos defesas laterais, "mais assimétricos a atacar", e notou diferenças na forma de pressionar o adversário ("menos blocos altos e mais pressão a partir de zona intermédia").
Ora, mas não se diz que "o jogo é dos jogadores"? É inegável, contudo, que, tendo mais recursos e ferramentas à disposição, os treinadores têm maior capacidade de intervenção. José Gomes faz um ponto de ordem e alerta para os perigos desse poder. "Nos jogos a eliminar, a preocupação pela organização defensiva e o medo de correr riscos levou a melhor. Temos equipas bem organizadas defensivamente, mas isso implica a ausência de aposta em jogadores talentosos, o que faz com que as equipas defensivas tenham mais sucesso. E isso pode levar a pensar, erradamente, que não importa ter talento para ganhar e reforçar uma tendência que pode ser realmente muito má para o futuro do futebol", disse, ao JN.
Na mesma linha, a João Nuno Fonseca alarmou a "escassez de espontaneidade": "Pensa-se cada vez mais taticamente e anulam-se, em alguns casos, os criativos", lamenta, ao mesmo tempo que torce o nariz a tanta tecnologia. "Que não se perca a essência do jogo!".