Rolando da Cruz é roupeiro no Tondela há mais de 40 anos e viu o clube a passar das divisões distritais ao principal escalão do futebol português. Em quatro décadas de trabalho, conta pelos dedos das mãos os dias maus que teve. Do campo pelado ao museu na garagem, faz parte da história dos beirões.
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"Eu tenho dois grandes desgostos na vida: o falecimento da minha mulher e a descida de divisão do Tondela". A definição de paixão pelo futebol, por um clube e por uma cidade é facilmente entendida nesta frase de Rolando da Cruz, roupeiro do Tondela há 40 anos. Desde o campo pelado nas distritais, às máquinas de lavar roupa até à primeira divisão, tudo mudou, menos o sentimento que tem pelo Tondela.
Foi a 21 de março de 1982 que entrou no Clube Desportivo de Tondela aquele que viria a ser uma verdadeira lenda do emblema. Começou naquilo que continua no dia de hoje, como roupeiro. Na altura, sozinho, agora, com três pessoas que tem "total confiança". Rolando da Cruz explica que quando chegou, os beirões eram "um clube pobre, nada do que é hoje".
"Pouco ou nada tínhamos. Nas distritais os jogadores vinham treinar à noite, duas vezes por semana. Saíam das fábricas e vinham para aqui dar uns pontapés na bola, um bom campeonato era aquele em que não descíamos de divisão", começou por explicar.
Rolando da Cruz destaca o papel do presidente Gilberto Coimbra, à frente do Tondela há quase 20 anos, pelo crescimento do clube. "No primeiro dia em que cá chegou disse-me: não venho aqui para brincar, venho para pôr o clube no mais alto escalão, e conseguiu". Aos poucos, "devagarinho", como explica Rolando, o Tondela foi-se transformando, desde a rouparia, às instalações, à contratação de jogadores para se tornar naquilo que foi até ao passado domingo: um clube de primeira Liga.
Por vezes é impressionante ver como a vida dá umas coisas, mas também as tira. Em 2015 foi isso mesmo que Rolando da Cruz passou, como relata, um dos episódios mais tristes da sua existência. "Oito dias antes do Tondela subir à primeira divisão eu perdi a coisa mais querida da minha vida, a minha mulher. Durante essa semana não trabalhei, mas vim ver o último jogo, apenas porque tinha a certeza que íamos subir de divisão. Não fiquei para a festa, dei um abraço ao meu amigo Gilberto Coimbra e fui para casa, sem medalha", explica.
Em 40 anos de Tondela, há momentos inesquecíveis mas aquilo que mais destaca é o espírito nos balneários que lidou. Recorda as brincadeiras, os jogadores mais bem-dispostos ou, como refere, "os mais castiços", e isso é também aquilo que lhe dá alegria. "Em 40 anos conto pelos dedos os maus momentos que tive. Sei lidar com jogadores, também o fui, e eles gostam de mim, do velhote como me chamam. Por isso, eu ando sempre satisfeito", acrescentou.
Rolando da Cruz revelou que nunca lhe "passou pela cabeça" ver o Tondela na primeira divisão. A descida custou, ficou triste, no entanto, mostra ser uma pessoa positiva, que, como se diz no futebol, "muda o chip", facilmente. "Já me prometeram que vamos subir, que vão fazer tudo para tal, por isso já tirei a tristeza da descida e substituía pela alegria da promessa".
A final da Taça de Portugal realiza-se no próximo domingo, frente ao F. C. Porto, e é "o maior jogo da história do Tondela", explica Rolando. "Faz parte da história, daqui a 200 anos vai estar escrito que o Tondela foi finalista da Taça de Portugal contra o F. C. Porto. É um marco histórico que ninguém nos pode tirar, se ganharmos devia-se fazer um edifício com uma vitrina bem forte para guardar o troféu".
E por falar em marco histórico, Rolando da Cruz transpõe aquilo que é paixão pelo Tondela numa garagem que comprou, perto de casa. Levou-nos até lá, ao "Cantinho do Velhote", onde, apesar de pequena, está cheia de memórias do clube. Desde as camisolas oferecidas por jogadores, a quem considera ser família, a fotografias com mais de 60 anos. É uma garagem transformada num universo de memórias, um verdadeiro museu do Tondela, construído por alguém que faz parte da história do clube beirão.