Ganhou o bronze nos 800 metros e já bateu recorde com 30 anos. Os pais e o avô também foram atletas.
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Não sabe se é genética, mas sabe que praticar atletismo lhe dá prazer, ou melhor, voltou a descobrir o prazer de o praticar, depois de uma fase em que até ponderou desistir, mas ainda bem que não o fez, porque assim Patrícia Silva acrescentou mais uma medalha de bronze ao medalheiro de Portugal e está a fazer renascer o meio fundo nacional. “Tenho vários momentos marcantes, para além desta medalha de bronze, como a minha primeira internacionalização aos 16 anos, ou quando fiz a primeira vez dois minutos e agora quando voltei a bater o recorde nacional”, disse Patrícia Silva, ao JN, poucas horas depois de chegar da China, onde conquistou a medalha de bronze nos 800 metros, nos Mundiais de Atletismo de Pista Coberta.
A mãe e treinadora, Susana Silva, descreve a filha como “muito emotiva” e ainda no domingo a viu dedicar a medalha à avó. “A minha mãe vivia muito as conquistas da Patrícia, a avó viveu sempre muito no íntimo dela e quis sempre dar-lhe muitas alegrias”, justificou, ao JN. Mas para chegar ao bronze foi preciso acertar várias agulhas. “Ela estava a estudar e a trabalhar no início da época [numa loja de artigos desportivos], estava menos dedicada ao atletismo, mas no final de fevereiro teve de deixar de trabalhar, porque começámos a treinar a um nível mais elevado e as coisas correram bem”, prosseguiu a mãe, que reconheceu que tudo podia ter tomado outro caminho: “Tinha muitas coisas que a preocupavam, mas começámos a focar-nos naquilo que podíamos controlar e eliminamos o resto. Libertou-se de alguns pesos e valorizou o que era realmente importante para chegar onde chegou. Passou a gostar de fazer atletismo, mas chegou a ponderar desistir e dedicar-se só à faculdade. Mudou a mentalidade e deu uma nova oportunidade ao atletismo, focou-se nos objetivos e as coisas foram acontecendo”.
Longe vão os tempos em que Patrícia Silva começou a correr pelo Ateneu Artístico Cartaxense, na terra que a viu nascer, Vila Chã de Ourique, depois foi para a escola de atletismo Rui Silva, fundada pelo pai, e com 17 anos chegou a Lisboa, onde representou o Benfica e o Grupo Desportivo do Estreito, antes de assinar pelo Sporting, em 2022. Da natação ao ténis, passando pela ginástica acrobática, experimentou um pouco de tudo em criança. “Por volta dos 16 anos, quando consegui fazer a minha primeira internacionalização, o atletismo tornou-se mais sério. Aí a genética devia estar presente, porque não treinava muito quando era mais nova e consegui bons resultados”, reconheceu a atleta. “Mas quando começámos a treinar era complicado, porque tinha várias atletas e ela lutava pela atenção, que não podia ser diferente dos outros. Depois traçámos uma linha em que definimos até onde ia a mãe e a treinadora e começou a resultar”, recordou a mãe, Susana Silva.
Estudante de Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, Patrícia já tinha dado nas vistas em fevereiro, quando bateu o recorde nacional dos 800 metros de Carla Sacramento, que se mantinha há 30 anos, com 2.00,79. Desta vez, em Nanjing, a ribatejana, de 25 anos, fez ainda melhor com 1,59,80 e uma medalha que encheu de orgulho toda a família Silva, nome que aprendeu a gerir. “Já ‘sofro disso’, desde que entrei no atletismo, mas ter um nome desses é um orgulho e não um fardo. Claro que as pessoas esperam sempre algo mais, mas é um orgulho poder fazer parte desta família que já nos deu tanto e agora poder ser eu a retribuir”, explicou a meiofundista. Esta é já a terceira geração de atletas na família. Patrícia é neta de Carlos Cabral, antigo atleta, quinto nos Europeus de Estugarda (1980), sexto em Milão (1982), medalha de prata nos 800 metros nos Campeonatos Ibero-Americanos de Barcelona (1983). A mãe, Susana Silva, cedo se deixou influenciar pelo pai e é hoje quem treina a filha, depois de ter sido campeã nacional júnior nos 800 metros (1991) e de ter conquistado, no mesmo ano, os títulos nacionais em 1500 e 3000 metros, em pista coberta.
Quando se fala do pai, Rui Silva, fala-se de uma das maiores estrelas do atletismo nacional com mais de uma dezena de títulos europeus e mundiais em 1500 e 3000 metros e uma medalha de bronze conquistada nas olimpíadas de 2004, que a própria Patrícia foi festejar ao aeroporto. “Tive a sorte de ter um pai que conquistou muitas coisas. Ainda não tinha imaginado o cenário ao contrário, mas foi uma sensação muito boa ver a minha família orgulhosa por ter conseguido uma medalha”, confessou a atleta, depois de ter provado a primeira grande vitória internacional.
Tática bem definida e controlo do ritmo permitiu atacar o pódio
Nos mundiais de Nanjing, na China, a corrida começou a um ritmo alucinante, bem acima da cadência habitual de Patrícia Silva, que não perdeu o discernimento, apesar dos metros ganhos pela concorrência. “É preciso ter cabeça fria e saber interpretar a corrida, porque não é fácil ver as outras mais à frente e ficar para trás. Não podia ir mais rápido, porque não iria conseguir acompanhar as adversárias, mas acabei por fazer uma corrida inteligente taticamente. Acreditei sempre que podia chegar mais à frente, não digo com uma medalha, mas que não ia chegar em último”, partilhou Patrícia Silva, ao JN. Na bancada, Susana Silva também não se atrapalhou e explicou o motivo: “Ela estava a correr ao ritmo dela, porque tinha completa noção de que aquele ritmo era demasiado forte. Daí eu estar à-vontade quando ela se deixou ficar para trás, e bem, porque se ela tivesse ido naquele ritmo, no final não tinha tido êxito. É preciso saber usar a cabeça, não é só correr”.
A julgar pelo controlo que teve durante a corrida, Patrícia levava a lição bem estudada. “Ao nível da tática, o pai conversa muito com ela e comigo. Antes das provas vemos os vários cenários que podem acontecer e antecipamos a reação. Embora, por vezes aconteçam coisas completamente diferentes. Mas, nessas alturas, tem de ser ela a procurar tomar as atitudes mais corretas”, acrescentou a mãe e treinadora.
No final, a medalha de bronze compensou todo o esforço e, desta vez, era o pai, Rui Silva, que estava do outro lado. “É sempre muito especial quando conseguimos conquistar algo em nosso nome e ter a minha medalha é sempre muito melhor do que ter a dos outros”, reconheceu Patrícia. Para trás fica um início de época que não apontava necessariamente para um resultado destes. “O apoio do Sporting e da federação têm sido muito importantes, porque não nos deixam faltar nada. Mas mudei a maneira como encaro o atletismo, passei a sentir-me mais feliz e isso ensinou-me a desfrutar, não levo o atletismo como um trabalho, mas como uma paixão. Para correr bem, um atleta tem de estar bem mentalmente, porque se a cabeça não estiver bem, não conseguimos enquadrar as nossas performances com o físico”, rematou Patrícia.