Entrevista a Paulo Madeira, que foi o defesa central camisola 10 quando Portugal se sagrou campeão do Mundo sub-20, em 1989.
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Confirma-se, Paulo Madeira é uma ave rara. Para início de conversa, é capitão da seleção portuguesa de juvenis como jogador do Lusitano Vila Real de Santo António. Depois, transfere-se diretamente para os juniores do Benfica e entra na equipa principal como se nada fosse. Pelo meio, é o número 10 de Portugal na conquista do primeiro Mundial sub-20 em 1989, na Arábia Saudita. Para fechar o ciclo de excentricidades, é convocado por António Oliveira para o Euro-96 em representação do Belenenses. Génio e figura.
Bom dia Paulo, como vais?
Agora agora, de carro. Ahahahah. Estou a sair do Algarve para Lisboa.
Tens 10 minutos?
15 até, amigo. Diz.
É sobre o Euro-96.
Coisa boa, que experiência.
Então?
Fui pelo Belenenses. Conheces alguém que tenha ido ao Europeu pelo Belenenses?
Boa pergunta.
Ah pois é.
Nem sabia desse detalhe. E porquê Belenenses?
Olha, é uma história longa. A conversa vai ultrapassar os 15 minutos.
Ahahahah, tranquilo.
Joguei no Lusitano Vila Real de Santo António até aos juniores. Depois fui para o Benfica. Cheguei ao mesmo tempo que o Paulo Sousa, que vinha de Viseu. Fomos morar juntos e assim nos mantivemos por uns bons quatro anos. Aliás, lá pelo meio, apareceu o Rui Bento.
Ficaram os três no mesmo apartamento?
Nem mais. Era ali à frente do estádio, já não me lembro bem do nome da rua.
E mais?
Eu e o Paulo fomos bicampeões nacionais de juniores, em 1988, nas Antas, e 1989, na Praia da Vitória.
Praia da Vitória, Açores?
Foi esquisito, um quadrangular final sem Sporting nem FC Porto [Marítimo, Vitória SC e União Praiense]. Na primeira volta, marquei um hat-trick ao União Praiense, no campo número 3 da Luz. Na segunda, fiz um. Curiosidade, era já o capitão de equipa.
G’anda pinta. Pelo meio, tu e o Paulo são campeões mundiais em Riade.
Verdade, outra grande aventura. Farto-me de dizer ao Rui Costa: fui o número 10 e tu nunca foste. Nos Mundiais sub20, digo. Parto-me a rir a picá-lo.
E a passagem para a equipa principal do Benfica?
Natural. O Eriksson meteu-nos, a mim e ao Paulo, na equipa e fizemos o nosso caminho. Ainda me lembro de estarmos em estágio no Porto para um jogo no Bessa, com o Boavista. Tinha já quatro jogos e ganhava um prémio se fizesse o quinto. Estávamos no quarto de Ricardo Gomes e Valdo quando o Paulo Sousa meteu a bucha. ‘Ó Ricardo, dá aí um jeito, só falta um jogo ao Paulo.’ Na altura, o Ricardo tinha imensas dores e já nem treinava muito, apenas jogava.
E que tal?
Fui titular, ahahahah.
Fixe, o Ricardo?
Gente muito boa. O Valdo também. Todo esse Benfica era espectacular, porque falávamos muito e dávamo-nos bastante, dentro e fora do balneário. Era mesmo uma equipa unida. Fomos campeões portugueses em 1991 e é nesse período que me estreio na selecção portuguesa, lançado pelo Artur Jorge [5:0 vs. Malta nas Antas, em Fevereiro 1991].
Mas não é o Artur Jorge quem dispensa o Paulo em 1995?
Isso mesmo. Depois de me dizer seis meses antes que contava comigo, chamou-me ao gabinete para dizer-me que já não conta.
E agora?
Fui para o Belenenses, onde joguei sempre, e bem. O resultado foi a convocatória do Oliveira para o Euro-96.
Imagino a alegria.
Não imaginas não. É muito especial e anda nas nuvens.
Ahahaha. Estou a ver aqui, o Paulo faz os três primeiros jogos a titular na qualificação e depois desaparece do onze.
Verdade. Mas fui a esse Euro, em 1996. Já o Euro-2000, fiz oito dos dez jogos da qualificação, todos os oito a titular, ao lado do Couto, e o Humberto não me chamou.
Quem foi no teu lugar?
Beto, do Sporting.
Caramba.
Podes crer, foi duro.
E o Euro-96, que tal?
Lindo, a união de todos nós era qualquer coisa.
E jogaste?
Nem um minuto, ahahahah. Nem eu nem o Paneira, o nosso número 7.
E o Figo?
Foi o 20.
Há alguma explicação?
Aquilo dos números era por leilão. Quem pagava mais, ficava com o número. Lembro-me que quis o 5, tal como o Couto. Naturalmente. Eu estiquei ao máximo e, às tantas, disse-lhe ‘vais ter de pagar bem para ter o número’.
Ficou o Couto com o 5?
Sim sim, eu fiquei com o 21.
E divertiste-te?
Muito. Há um dia em que o Oliveira dá-nos uma liberdade a mais à noite, estilo ‘podem chegar ao hotel à uma da manhã’. E nós fomos todos para uma discoteca com uma festa temática dos anos 70. Claro, a malta foi comprar adereços básicos, como patilhas, óculos, bigodes, cabelos, barba. Enfim, estás a ver o estilo, não estás?
Ya.
Muito bem, eu não comprei nada porque já tinha o cabelo comprido. Então entrei assim na discoteca e foi uma risota pegada.
Imagino.
Ai não imaginas não. Sobretudo o que se passou a seguir.
Conta.
Quando saímos da discoteca para regressar ao hotel, vemos um carro da RTP a passar perto de nós, ali no parque de estacionamento. Pirámo-nos todos, cada um para o seu lado. Como estava escuro, bati com o pé num lancil e baldei-me. Caí e magoei-me no pé. Quando me levanto, a porta do carro da RTP abre-se e saem de lá o Esteves Martins e o João Vieira Pinto. Fiquei a olhar para o João, como quem diz ‘se eu soubesse, não tinha fugido a sete pés’. Só histórias.
Nem imagino.
Ahahahaha.