Petit e o regresso ao Boavista: "Qualquer treinador gostaria de ter estas condições"

Petit, treinador do Boavista
José Carmo/Global Imagens
Petit feliz por voltar a ser treinador do Boavista. Gostava de ver mais gente nas bancadas para intimidar os adversários.
Foi no Bessa, "um estádio de sonho", que Petit recebeu o JN para uma entrevista muito terra à terra, bem à imagem daquilo que é a personalidade de um treinador descontraído e feliz da vida por estar no Boavista, onde foi campeão nacional como jogador, o clube que tanto ama. "Uma prenda de Natal? Estar com a família". Uma resposta genuína de quem ainda continua a conviver e a jogar bilhar com os amigos do Bairro do Bom Pastor, no Porto, onde cresceu para a vida.
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Como é que o atual Petit definiria o Petit que se estreou como treinador no Boavista em 2012 e que mudanças encontra?
Muitas. Desde logo a experiência por ter trabalhado em vários clubes. Quando comecei bebia muito do conhecimento de treinadores que tinha tido, porque a mudança de jogador para treinador foi muito rápida e ainda não tinha feito a minha formação. Claro que ao longo destes anos ganhei experiência, maturidade, conhecimento da metodologia do treino e do jogo em si, da forma de lidar com os jogadores e como preparar uma época.
E que diferenças encontrou no Boavista?
Muitas, também. Desde a estrutura às condições que hoje temos e não tínhamos, algo que é de louvar. Uma coisa boa é que, agora, já não saímos desta zona, porque agora temos o campo de treinos, o nosso balneário, e mesmo para o crescimento da formação isso é importante. Tenho uma boa estrutura por trás, o que me permite focar quase só no treino. Qualquer treinador gostaria de ter estas condições.
Digo muitas vezes à equipa: Temos de puxar pelos adeptos para que eles nos possam apoiar
A exigência dos adeptos, essa, não mudou...
A exigência tem de estar sempre presente na nossa profissão, seja como treinador ou jogador. Temos de querer ser melhores a cada dia que passa e a exigência destes adeptos obriga-nos a ser assim: é bom senti-la. Digo muitas vezes à equipa: nós temos de puxar pelos adeptos para que eles nos possam apoiar. Sei o que é a mística deste clube e queremos ter ainda mais gente no estádio para que as equipas que venham aqui jogar tenham ainda mais respeito por este clube.
Que balanço faz deste mês de trabalho?
Aquilo a que me propus quando vim para cá era melhorarmos a cada dia, a cada treino, e tirar o melhor partido de cada jogador para o coletivo ser mais forte. A equipa tem vindo a crescer. Os jogadores têm assimilado as nossas ideias, tudo o que envolve os cinco momentos de jogo e, agora, é muito mais fácil falar, porque estamos num ciclo positivo. Mas o futebol é assim. O balanço é positivo, eles estão a crescer e nota-se na relação entre os adeptos e os jogadores.
O Boavista é a sua cadeira de sonho?
É. Cheguei aqui com nove anos e foi onde me formei como jogador. Estou na minha cadeira de sonho, no meu estádio de sonho e por muito que tenha passado por outros clubes, o meu pensamento esteve sempre cá. Estive 20 e tal anos ligado a este clube, que me deu tudo, tal como eu lhe dei tudo. Não há muitas palavras para descrever o sentimento de trabalhar no clube do qual gosto, onde me fiz homem. Conheço quase toda a gente, desde miúdos a senhores de 80 e tal anos que me conhecem desde criança.
É mais fácil iniciar um desafio destes numa casa conhecida?
Nunca é fácil, mas temos de acreditar no nosso trabalho. Quem me viu iniciar aqui a carreira, sabe que já não sou o mesmo Petit, porque fui crescendo e evoluindo. A exigência de ser treinador, porque lidas com 20 e tal jogadores com estilos e origens diferentes, passa muito por criar um bom ambiente para, depois, tirares rendimento dos atletas. Mas também é fundamental o suporte que a estrutura nos dá.
O nosso caminho vai demorar o seu tempo, mas vamos tentar que o Boavista seja mais forte
É possível levar o Boavista a patamares mais altos, onde já esteve?
Eu nunca prometi nada ao presidente, nem falamos nisso. Sei da exigência deste clube, o que pensam, mas isto tem de ser um passo de cada vez. Se quisermos dar dois passos ao mesmo tempo, corremos o risco de andar para trás. O nosso caminho vai demorar o seu tempo, mas vamos tentar que o Boavista seja mais forte. Temos de ser ambiciosos.
Que opinião tem dos escalões de formação do Boavista?
Ainda no sábado fui ver os juniores e o presidente sabe aquilo que eu penso. Fui formado aqui e acho que, muitas vezes, os jogadores não podem subir de elevador, têm de vir pelas escadas e a formação tem de ser isso: trabalhá-los, fazê-los evoluir. O futebol português precisa de formar e vender, porque não se pode comparar a Espanha, Inglaterra e França. Mas, sim, a formação tem de ser importantíssima no Boavista. A goleada ao Braga (5-1) na Taça da Liga teve efeitos positivos na equipa.
Teve de refrear o entusiasmo dos jogadores?
Não. Vínhamos de um ciclo de resultados muito negativo e quando surge a euforia da vitória, temos de a valorizar, sem nunca esquecer o trabalho. É assim em tudo na vida. Gostei que os jogadores festejassem, ouvissem música, fossem para casa alegres e que, no dia seguinte, voltassem ao trabalho com um sorriso no rosto.
Os adeptos do Boavista já tinham saudades de estar nestas decisões e poder ganhar troféus
A presença na final four da Taça da Liga é uma boa oportunidade para devolver o Boavista aos títulos?
Sim, se estamos lá temos de lutar por ela. Sabemos que temos um jogo com o Benfica, que queremos ganhar para chegar à final. Mas a verdade é que estamos outra vez na rota dos títulos, ou pelo menos lutar por esses objetivos. Ainda falta algum tempo, mas os adeptos do Boavista já tinham saudades de estar nestas decisões, de poder ganhar troféus.
Conta com reajustes no plantel no mercado de janeiro? É mais importante contratar ou não perder jogadores?
Ainda não falei com o presidente sobre outros jogadores, porque primeiro quero ter o conhecimento total do plantel e só cá estamos há pouco mais de três semanas. Não gostaria de perder ninguém, mas o futebol português depende de vendas e nós temos aqui muitos frutos apetecíveis. Se houver prendas, muito bem, se não houver continuaremos a trabalhar.
Que objetivo tem para o que resta do campeonato: primeira parte da tabela, um lugar europeu?
É evoluir todos os dias e subir na classificação: olhar sempre para cima e nunca para baixo. Este símbolo tem uma história e nós queremos contribuir para ela.
Rótulo? Tenho é uma tatuagem de um pitbull
Como homem da casa, que valores tenta passar aos jogadores?
Tento passar um pouco do que é a história deste clube, dos nomes que passaram por aqui, o que fizeram e conquistaram. Não só dos jogadores, mas também dos dirigentes. Devemos valorizar a história do Boavista, mas convencer os jogadores que podem escrever a sua própria história neste clube.
As equipas treinadas por Petit têm o rótulo de serem aguerridas. Como lida com isso?
Rótulo? Tenho, tenho, é uma tatuagem de um pitbull [risos]. Muitas vezes mete-se esse rótulo, mas não me afeta, interessa-me muito mais o "feedback" dos jogadores que trabalham comigo. Se calhar têm uma opinião minha e, depois, mudam quando trabalhamos juntos. Um treinador só tem sucesso com a ajuda dos jogadores.
Vítor Baía é vice-presidente do F. C. Porto, Rui Costa presidente do Benfica. Como vê esta nova fase do futebol português?
É importante. São pessoas que passaram pelas seleções, por grandes clubes e países europeus. São pessoas do futebol, que vão ganhando conhecimento noutras áreas e tudo encaixa bem no futebol. São ex-companheiros e agrada-me muito ver que eles continuam a dar mística aos respetivos clubes.
Ao fim de quase dois anos de pandemia, acha que o futebol já se habituou ou teme que as portas dos estádios se voltem a fechar aos adeptos?
O mal é geral. Tive a infelicidade de ter tido um dos primeiros casos, num treino, e na altura foi o pânico. Não era normal, isto parece um filme tornado real. Não é bom para o futebol, porque se perde patrocinadores. Gostaria que isto passasse, mas temos de nos adaptar e protegermo-nos. Temos de convencer os jogadores a passear menos. Todas as equipas vão passar por isto, com casos de covid, mas não é bom para ninguém.
O seu filho joga no Gondomar. Tem pés de craque como o pai?
Andaram a fazer pesquisa [risos]. O meu filho veio comigo de Lisboa e foi para o Gondomar. Tem a idade que eu tinha quando joguei lá e também foi nesse estádio que fechei a minha carreira de futebolista. É um miúdo com qualidade, tem mais qualidade que o pai - pronto, tenho de o assumir -, mas falta-lhe um bocadinho de agressividade. Se calhar o facto de ser meu filho pode prejudicar um pouco. Dou algumas dicas, mas não muitas, porque não o quero pressionar a ser futebolista.
Qual seria o melhor presente de Natal que poderia receber?
É ter a família junta e estarmos felizes, depois de duas vitórias seguidas. Não há nada melhor que isso.
