O presidente do Vitória de Guimarães dá uma grande entrevista ao JN cheia de revelações. Aborda a saída do diretor desportivo Carlos Freitas: "A minha relação com ele era e é muito boa" e garante que a empresa de Deco já desistiu do processo de insolvência da SAD. O dirigente sublinha ainda que "há discriminação policial contra os adeptos" vitorianos.
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É numa sala com vista para o relvado do Estádio D. Afonso Henriques onde Miguel Pinto Lisboa, presidente do V. Guimarães, recebe o JN para uma entrevista cheia de pontos incontornáveis sobre o presente do clube. Numa conversa de uma hora, revela que Deco, ex-jogador do F. C. Porto, desistiu dos processos de insolvência contra a SAD e garante que o clube deixará de negociar com o luso-brasileiro. O dirigente explica, ainda, porque foram antecipadas receitas de 20 milhões de euros e adianta que há manifestações de interesse para a entrada de investidores na SAD. Mas não existem conversações.
A empresa de Deco reclama uma dívida de 1,3 milhões de euros. Qual a explicação para isso?
Posso adiantar que a empresa D20 Sports já desistiu do processo de execução e desistiu do processo de insolvência. Reconhecemos sempre os créditos de todos os intermediários, mesmo que sejam de administrações anteriores. Na véspera do pedido de insolvência, houve troca de minutas finais entre advogados e com acordos acertados. Mas fomos surpreendidos com o pedido de insolvência que, provavelmente, tinha outros fins de agitação social.
A relação do V. Guimarães com a empresa D20 Sports fica irremediavelmente ferida?
Não estabeleceremos mais relações comerciais com essa empresa.
Achou estranho este processo?
Se me está a fazer a pergunta é porque partilha da mesma opinião. Pareceu-me ter um objetivo de agitação social, que se repercutiu em comunicados e determinadas posturas de algumas pessoas.
Sente que algumas pessoas com passado ligado ao clube estão do seu lado ou do lado oposto?
O meu foco é o Vitória como um todo. E o principal património do Vitória são os associados. O meu objetivo é unir todos os vitorianos, porque só assim vamos conseguir ter um Vitória maior, como ambiciono e que vamos ter.
Este episódio afetou a sua imagem junto dos sócios?
Não. Tivemos processos no passado e, no fim, verificou-se que o Vitória tinha razão. Estamos cá para defender os interesses do Vitória, não nos amedrontamos com ameaças, nem vamos fugir perante as dificuldades. Os vitorianos têm um presidente à imagem do clube. Dou o corpo às balas e garanto que não vamos morrer.
Conseguiu que o clube comprasse as ações de Mário Ferreira. Tem investidores interessados na aquisição da SAD?
Os sócios serão sempre auscultados e esclarecidos e a opção será tomada com eles. Há interessados, porque a situação do Vitória não está como algumas pessoas querem fazer crer. É um clube apetecível e carismático. A seguir aos três grandes, somos o principal clube em número de sócios e queremos um parceiro que conheça e alinhe nos valores do Vitória. Mas não há conversações com ninguém.
A entrada de um investidor levará o clube a perder a maioria da SAD?
O Vitória tem de ter 51% da SAD e manter o poder de veto. Comigo a presidente, o Vitória nunca terá menos de 51%. Se a opção for menos, não será comigo a presidente.
O interesse vem de investidores nacionais ou estrangeiros?
Maioritariamente estrangeiros e ligados ao futebol, e que olham para o Vitória como um gigante adormecido.
O V. Guimarães antecipou 20 milhões de euros em receitas televisivas. Está relacionado com problemas de tesouraria?
Herdámos uma situação que não nos surpreendeu, porque estávamos a par da vida do Vitória, com um passivo de 28 milhões de euros. Não demos ênfase, porque a imagem do Vitória está cima de tudo. Dentro desse passivo, tínhamos dívidas a intermediários de cerca de nove milhões de euros. Já existiam adiantamentos e não foi esta Direção que os inventou. A anterior administração fez operações de adiantamentos, não apenas de direitos televisivos, mas também de verbas a receber de transferências de jogadores.
Foi então esse o objetivo?
O objetivo não é fazer face a dificuldades de tesouraria, mas programar o futuro e ter poder negocial com os nossos parceiros, sejam clubes, intermediários ou fornecedores. Não podemos perder o objetivo de termos uma visão de médio a longo prazo para o clube. Para isso, não podemos estar sempre estrangulados financeiramente. Quando chegámos, o Vitória estava na segunda pré-eliminatória da Liga Europa e conseguimos o apuramento para a fase de grupos. Tínhamos um jogador [Tapsoba] com uma cláusula de 10 milhões e foi vendido por 18 milhões. Em março do ano passado, há uma interrupção da atividade com consequências que ainda persistem. Em termos de receitas operacionais houve uma quebra de 51% e houve um estreitamento do mercado de transferências.
Não tinha alternativas?
Podíamos ter vendido ativos por valores depreciados, mas a nossa opção não foi essa. Temos jogadores que representam ativos significativos e que podem, num curto prazo, perfazer o valor desta operação. A nossa opção foi para não interromper a curva de valorização desses ativos, deixá-los maturar e fazer uma venda mais à frente por valores importantes. Podíamos ter vendido por valores mais baixos e não teríamos necessidade de recorrer ao crédito. Foi a opção que tomámos, porque assim conduziremos o Vitória para o patamar que queremos.
O Vitória tem sentido problemas para ter os salários em dia?
Não. O Vitória, como todos os outros clubes, foi atingido pela crise, mas não despedimos ninguém e não fizemos cortes salariais a funcionários e atletas. Cumprimos escrupulosamente com todos.
Essa antecipação das receitas permite que o V. Guimarães assuma uma candidatura efetiva aos quatro primeiros lugares?
Esta antecipação permite-nos encarar e projetar o futuro numa ótica de médio a longo prazo, sendo que o objetivo é conduzir o clube a lugares condizentes com a sua grandeza.
É uma antecipação para três anos. Significa que se vai recandidatar?
Não fugimos às nossas responsabilidades e não interrompemos mandatos perante dificuldades. Estamos cá para assumir o nosso projeto e tornar o Vitória ainda maior.
Que leitura faz do comunicado de Pinto Brasil? Entre várias coisas, disse que desapareceram mais de 40 milhões de euros...
Valorizo todos os sócios por igual e valorizo todas as questões colocadas. Há locais adequados para que sócios e acionistas coloquem as suas dúvidas.
Contratar tantos jogadores foi uma boa estratégia durante a pandemia?
O Vitória é um clube formador e a legislação não protege os clubes formadores. O Vitória tinha perdido, na época 2018/19, 21 jogadores da formação para o F. C. Porto, Benfica, Sporting e Braga. Estamos a fazer tudo para inverter essa perda e já fizemos 12 contratos profissionais com atletas nascidos entre 2002 e 2004. Como já tínhamos tido essas perdas, a nossa opção foi a contratação de jogadores.
Tem havido episódios policiais, inclusive detenções, envolvendo adeptos do V. Guimarães. Como avalia estas situações e os processos que pendem sobre o comportamento do público?
Relativamente aos processos, recorremos das sanções interpostas pela APCDV [Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência]. No que concerne ao comportamento dos nossos adeptos, e já questionámos as autoridades, parece haver uma discriminação negativa do que é atuação policial perante os adeptos do Vitória a adeptos de outros clubes. Sentimos que em alguns casos são perseguidos mais duramente do que outros. Acompanhamos com proximidade o que acontece com os nossos adeptos e que apoiámos, dentro do que é o racional na atividade do clube. O nosso principal património são os adeptos e temos de estar sempre do lado deles e protegê-los.
Qual é o exemplo que o leva a fazer essa análise?
É evidente que quando vamos a um jogo fora, se houver uma manifestação de adeptos a apoiar a saída da nossa viatura, há cargas policiais e detenções. Noutros clubes, alguns no mesmo comando e outros noutros comandos, há interrupção de estradas, de autoestradas, perante o mesmo tipo de comportamentos, e não se conhecem notícias de tantas detenções e de tanta intervenção. Parece-me que há uma discriminação contra os nossos adeptos.
Quando falou do recurso, é em relação ao caso Marega?
Sim, fizemos um recurso junto do APCDV e estranhamos a demora na apreciação do mesmo.
Considera que foi uma apreciação injusta?
Considero que os factos não justificam a sanção que foi determinada [três jogos à porta fechada, mal haja permissão para o público voltar aos estádios] e acho que o recurso já está a ser analisado há muito tempo.
Como olhou para este caso?
Na altura, fiz as referências que tinha a fazer e não é tema para abordar agora.
O V. Guimarães faz 100 anos em 2022. Qual seria a melhor prenda que poderia dar aos sócios?
O facto de fazermos 100 anos é um motivo para nos enaltecermos e nos congratularmos pela grandeza que o Vitória atingiu. É o momento para, todos juntos e unidos, termos como objetivo tornar o Vitória ainda maior para que possa ser a grande bandeira da cidade, em Portugal, na Europa e no Mundo.
Quais são os objetivos que gostava de cumprir e que serão realizáveis durante o seu mandato?
O meu mandato termina para o ano. Tentar concluir o miniestádio, tentar avançar com as negociações da academia e eventualmente finalizá-las e voltar a ter público nos estádios. Não depende de mim. Mas com público nos estádios a nossa equipa teria tido outro nível exibicional em casa, pelo menos.
O ex-diretor desportivo Carlos Freitas fez um bom trabalho?
No âmbito de um projeto, era uma mais-valia. Deu o seu contributo em várias áreas e os resultados serão percetíveis mais à frente.
A vossa relação era boa?
A minha relação não era boa. Era e é muito boa.
Vai contratar alguém para assumir a pasta do futebol?
Mais do que contratar alguém, temos uma visão clara de uma reorganização que devemos fazer na estrutura do futebol e vamos contratar as pessoas certas para implementá-la.
Que reestruturação é essa?
Entre outras coisas, criar uma separação maior entre a área administrativa da equipa A, B e sub-23 e melhorar o gabinete de apoio ao jogador. Com pequenos acertos, podemos dar um salto qualitativo.
Esse passo é importante para o V. Guimarães se afirmar como um clube que luta pelas provas europeias?
O Vitória tem sido instável em termos classificativos, mas o nosso objetivo é que tenha estabilidade na zona europeia. Isso não se consegue em um ano e meio. E esta organização do futebol é conducente para conseguirmos essa estabilidade.
Quaresma tem 37 anos. Valeu a pena o investimento salarial num jogador veterano?
Valeu a pena, porque é um jogador carismático, que abraçou o que é ser Vitoria. Trouxe níveis de profissionalismo elevados. É dos jogadores que mais ganhariam com gente no estádio.
O V. Guimarães consegue capitalizar esse investimento a nível do merchandising e venda de camisolas?
Tem um impacto fortíssimo, mas fruto desta pandemia o peso é inferior. Tivemos quebras de 51% no merchandising e marketing, mas o Quaresma, por si só, representa uma parte significativa do que é a venda de artigos do clube.
A saída de Tiago afetou a relação com Jorge Mendes?
Não afetou e nem vejo razões para ficar afetada. Não foi uma saída em contencioso.
O treinador João Henriques vai continuar em 2021/22?
Temos uma opção contratual. Estamos num momento conturbado desportivamente e devemo-nos focar no presente e em melhorar a situação atual.
O plantel vai ser reformulado para atacar a próxima época de forma diferente?
Grande parte do plantel da próxima época está cá. Temos de fazer intervenções cirúrgicas para melhorar alguns aspetos.
Se fosse hoje, fazia tudo igual na construção do plantel?
Se fosse hoje ,não podia fazer nada porque o mercado está fechado.
André André já renovou. Pepelu vai ficar?
Temos interesse em que fique.
O V. Guimarães fez um grande negócio com Tapsoba. É possível fazer mais negócios assim ou a pandemia vai obrigar a um recuo?
O mercado teve uma retração e por isso optámos por não vender alguns ativos. O mercado estará melhor na nova janela de transferências.
O Vitória já recebeu os 18 milhões do Bayer Leverkusen?
O Bayer já pagou o Tapsoba. E o Vitória já recebeu o que tinha a receber e já pagou o que tinha a pagar.
Será importante uma aposta mais efetiva na formação?
Claramente. Em atletas e infraestruturas. Quanto às críticas de que não faz sentido investir num miniestádio, o que posso dizer é que já vamos tarde. O Vitória só foi pensado estrategicamente há 30 anos, pelo dr. António Pimenta Machado. E essa vantagem competitiva que nos conferiu com a academia já foi superada há muito tempo pelos nossos adversários. Temos de ter um parceiro para investir nas infraestruturas. Vamos e estamos a apostar numa nova academia para o futebol profissional fora da atual. Mas iremos manter a academia para a formação na cidade, porque é fundamental.