"Porque paraste de lutar?": Patinadora russa caiu e foi acolhida com "tremenda frieza"
Nas bocas do mundo por suspeita de doping, a patinadora russa Kamila Valieva ficou longe da performance que sonhou. Caiu, lutou e conquistou o público, mas a reação da treinadora está a dar que falar.
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Não é preciso perceber de patinagem artística para sentir as lágrimas de Kamila Valieva e querer chorar com ela. A atleta, de 15 anos, campeã russa e europeia, chegou aos Jogos Olímpicos de Inverno, na China, como um prodígio, mas uma suspeita de doping veio ensombrar a performance que se queria perfeita.
O Tribunal Arbitral do Desporto deu-lhe luz verde para competir e Kamila entrou na pista de gelo para a prova individual feminina, na quinta-feira, como favorita. Caiu uma, duas vezes, talvez mais, mas de todas elas se levantou, engoliu a ansiedade, fez-se grande.
De fato preto e vermelho, segurou o choro, de todas as formas possíveis, e já no fim do "Bolero", de Maurice Ravel, levou, finalmente, as mãos à cara como quem tenta esconder-se do mundo. O público gritou "Kamila" mas só conseguiu vê-la a chorar, com o peso do quarto lugar e dos sonhos às costas.
Num momento que pede empatia, a reação da treinadora Eteri Tutberidze ao desempenho da patinadora russa está a ser alvo de críticas. "Por que razão paraste de lutar?", perguntou-lhe a mentora, segundos depois da prova.
Numa intervenção excecionalmente forte, citada pelo jornal britânico "The Guardian", o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, não escondeu o choque. "Sei um pouco sobre pressão, dos meus tempos de atleta. Mas esta pressão vai para além da minha imaginação, particularmente tratando-se de uma rapariga de 15 anos", defendeu. "Em cada movimento, na linguagem do seu corpo, podíamos sentir uma ansiedade imensa", descreveu, lamentando que, momentos depois, Kamila Valieva tenha sido recebida pela equipa "com uma frieza tremenda". "Foi arrepiante", confessou.
Apesar de reconhecer que a abordagem de Tutberidze podia ter sido diferente, o psicólogo Jorge Silvério, ouvido pelo JN, não deixa de fazer uma ressalva. "A treinadora é quem melhor a conhece e poderá ter dito isso com alguma intenção". "Há atletas aos quais dizer algo assim é 'matá-los', mas, com outros, pode ser uma forma de os levar a reagir", concretizou.
Ainda assim, acrescentou o especialista em Desporto, face ao contexto vivido pela patinadora russa nos últimos dias, com o fantasma da suspeita de doping, "a probabilidade de as coisas não correrem bem era muito grande".
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Kamila foi autorizada a competir uma semana depois da notícia de um teste positivo à presença de trimetazidina, substância usada para tratar problemas cardíacos e proibida na prática desportiva. A defesa da atleta alegou que o resultado pode ter estado associado a um copo de água contaminado com um medicamento tomado pelo avô. O Tribunal Arbitral do Desporto determinou, depois, que impedi-la de participar nos Jogos Olímpicos iria causar-lhe "danos irreparáveis".
O presidente do COI considerou "improvável" que a adolescente tivesse tomado a droga isoladamente, sublinhando ser de "extrema importância" que se abra uma investigação rigorosa aos que a rodeiam.
Independentemente do desfecho do caso, para Jorge Silvério, Kamila Valieva deve ser acompanhada por profissionais da área da psicologia para superar a polémica mediática, que, "infelizmente, pode marcar para sempre a carreira da patinadora".