Que pai e filho sejam campeões nacionais de futebol, mesmo que em países diferentes, já não é normal. Que o sejam a representar o mesmo clube e começamos a ameaçar os limites da fantasia. Que isso aconteça a triplicar e possivelmente estamos a falar de algo inédito, uma anomalia estatística, até agora por imitar e que dificilmente será replicável. Também nisto, portanto, o F. C. Porto é uma exceção.
Corpo do artigo
Depois dos André e dos Paciência, eis os Conceição, estes com a particularidade, que torna tudo ainda mais extraordinário, de o pai ser o treinador do filho. Em Portugal, estas três famílias são casos únicos, e para lá das fronteiras e do tempo só há outros três casos conhecidos: os Weah, que foram campeões pelo Paris Saint-Germain, os Blind, campeões no Ajax, e os Maldini, campeões no AC Milan. Ao contrário do que acontece no romance memorável de Ivan Turgueniev, estes "Pais e Filhos" têm mais a uni-los do que a separá-los.
Francisco Conceição de abraço em abraço até ao abraço final
O abraço, longo, apertado e com lágrimas de felicidade à mistura, com que celebraram a conquista do título, em pleno relvado do Estádio da Luz, foi treinado várias vezes ao longo da temporada. Sem nunca beliscar a indispensável distância profissional, houve ocasiões em que deixar de lado os nós emocionais e afetivos foi impossível. Como no Estoril, quando Francisco entrou e empurrou os dragões para a reviravolta nos últimos minutos, mas também como aconteceu após o jogo com o Vizela, na 32.ª jornada, ou frente ao Feirense, neste caso a contar para a Taça de Portugal. O distanciamento profissional sobrepôs-se quase sempre, quer o pai quer o filho faziam questão de o reafirmar e sublinhar mal surgisse a oportunidade para tal. "O Francisco é igual aos outros", "Abraço sentido? Também dou aos outros", "Às vezes dou abraços mais efusivos, outras vezes menos efusivos, mas não faço distinções dos jogadores", "Olho para o Francisco da mesma forma que olho para os outros. Se tiver de jogar, joga. Se não tiver de jogar, não joga", "Se eu não conseguisse diferenciar o ser pai dele do ser treinador, pegava nas minhas malas e ia embora", foram algumas frases ditas ao longo da época por Sérgio Conceição para, dentro do possível, manter tudo no devido lugar e em pratos limpos. Contudo, como em todas as regras, também aqui há exceções: "Foi ele que meteu as pernas em cima de mim e não acredito que outro jogador o faça", admitiu o treinador, entre risos.
Laços na cantera e nos bês
Curiosamente, Vítor Bruno, adjunto de Conceição, também acompanha, de perto, a evolução do filho, que atua nas camadas jovens dos dragões. Já a nível profissional, o técnico António Folha vive a mesma situação que Conceição, ao orientar o filho, Bernardo Folha, nos bês.
Voltando a Francisco Conceição, se a vida pessoal já era, e sempre será, indissociável da do pai, a carreira futebolística segue pelo mesmo caminho. Na hora de trabalhar, nada como alguém que "faz com que possamos evoluir cada vez mais", como defende o avançado; na hora de festejar, tem o abraço paternal. Francisco tem o melhor dos dois Mundos.
Sérgio Conceição
Idade: 47 anos
Títulos: Três passagens pelo F. C. Porto, duas a ajudar no relvado, resultam em seis títulos no escalão sénior. Como treinador, venceu o terceiro campeonato e iguala o registo como jogador.
Gonçalo e André festejaram lado a lado, tal como os progenitores
Entre as décadas de 1980 e 1990, António André e Domingos Paciência foram dois dos baluartes do dragão. Juntos, têm quase 800 jogos com a camisola azul e branca, muitos deles lado a lado, e figuram no top-10 dos jogadores que mais vezes representaram o F. C. Porto. Dividem 14 títulos de campeão, sete para cada um, incontáveis taças. Para além disso, o legado de ambos ainda contempla dois filhos que viriam a contribuir para futuras conquistas do clube e tornar a causa portista uma questão de nobreza familiar.
Foi muito depois que os dois apelidos se voltaram a ouvir nos corredores portistas. Gonçalo Paciência chegou primeiro, André André seria contratado depois, sendo que apenas na época 2017/18 é que os dois partilharam o balneário, primeiro para lidar com a pressão que os pais normalizaram anos antes, depois para fazerem a festa juntos, repetindo o ritual dos mais velhos e confirmando algo até então inédito. E logo a dobrar. Curiosamente, Gonçalo começou essa temporada no V. Setúbal, sendo repescado no mercado de janeiro para reforçar o plantel que já era liderado por Sérgio Conceição e fazer 12 dos 16 jogos que acumula na equipa principal do F. C. Porto. "São anos e anos a esperar este momento, sempre sonhei com ele. Eu e o André já falámos sobre isso, o meu pai já me ligou, é uma sensação incrível ser campeão. Voltei e fui campeão", disse, na altura, o avançado, ele que foi dos mais efusivos nas comemorações do título que evitou o "penta" do Benfica. Semanas depois, foi transferido para o Eintracht Frankfurt, clube que ainda representa e pelo qual vai disputar a final da atual edição da Liga Europa.
Também André André deixou o Dragão nessa época, três anos depois de ter sido contratado, pela porta grande e com o sonho de figurar ao lado do pai entre os campeões concretizado. "Um jogador vive de títulos e quando os conquista no seu clube ainda significa mais. O meu pai tem aqui (no museu) o seu nome e eu gostava de ter o meu, por isso é um orgulho muito grande", salientou, ao site oficial do clube, o médio que hoje representa o Al-Ittihad (Arábia Saudita).
Domingos Paciência
Idade: 53 anos
Títulos: Vestiu a camisola azul e branca em quase 400 jogos, marcou 153 golos, contribuindo para sete títulos conquistados pelo F. C. Porto, entre 1987 e 1997.
António André
Idade: 64 anos
Títulos: Formado no Varzim, chegou ao F. C. Porto em 1984 e saiu no final da época 1994/95. Pelo meio, imensos troféus, entre eles estão sete campeonatos.
No estrangeiro: Maldini e Blind, apelidos na história do AC Milan e do Ajax
Em 1954, Cesare vestiu a camisola do AC Milan pela primeira vez e estava também a dar início a uma história de amor que une os Maldini aos "rossoneri" até... hoje. Primeiro, sucedeu-lhe o filho; agora é o neto. Ao longo das últimas três gerações, foram raros os anos em que não houve um Maldini a contribuir para engrandecer o colosso transalpino, ao ponto de os dois se confundirem. O mais velho foi campeão; o filho deste, Paolo, também e o último, Daniel, herdeiro de Paolo, está muito perto de fazer o mesmo e confirmar um feito único.
Para já, os Maldini figuram ao lado dos André, dos Paciência e dos Conceição, mas também dos Weah e dos Blind, os outros exemplos em que pai e filho foram campeões pelo mesmo clube. George e Timothy Weah festejaram pelo PSG, sendo que o mais novo somou três títulos contra um do progenitor. Já Danny, o pai, e Daley fazem com que o apelido Blind esteja ligado a 12 dos 36 títulos do Ajax .
Outros casos de pais e filhos que se podem gabar de terem sido campeões, embora em clubes diferentes, incluem os apelidos Hagi, Schmeichel, Simeone ou Alcântara. Este último destaca-se porque Mazinho, campeão no Brasil, é pai de outros dois campeões, Thiago Alcântara e Rafinha.
Quanto aos Schmeichel, o filho Kasper foi campeão no Leicester depois do pai ter feito o mesmo pelo Manchester United, Sporting e Brondby. Já Gheorghe Hagi colecionou títulos na Roménia e na Turquia, antes de o filho Ianis ser campeão na Escócia. Por seu lado, Diego Simeone foi campeão em Espanha e Itália, enquanto o filho Gio festejou na Argentina. Destaque especial para os Gudjohnsen, que vão em três gerações de campeões, devido aos feitos de Arnor, do filho Eidur e do neto Sveinn. Em Portugal, há ainda a família Águas: o pai José e o filho Rui foram campeões no Benfica.