Treinador sensação do campeonato, que orienta o Gil Vicente, atual quinto classificado da Liga, começou a carreira no futebol distrital e teve empresa de coser sapatos.
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Aos 47 anos, Ricardo Soares está a viver o melhor momento da carreira como treinador do Gil Vicente num percurso com mais de década e meia, pautado pela persistência, ambição e qualidade que o levou desde o futebol distrital até ao patamar máximo, a Liga. Foi um jogador promissor, mas pouco aplicado, teve uma empresa de coser sapatos em Felgueiras, a terra natal, e até foi organizador de torneios de futebol, mas cedo percebeu que o destino passava pelo comando de equipas. Não tem formação universitária e só completou o 12.º ano já em adulto. Trilhou a pulso um caminho assente na convicção e no trabalho.
"Como jogador tinha uma qualidade tremenda, mas era um baldas. Depois, como treinador foi o oposto. Tinha uma persistência e uma crença no trabalho invulgares", partilhou, com o JN, Totta, amigo de longa data de Ricardo Soares e ex-companheiro de equipa no Felgueiras. O dirigente lembra a passagem do técnico pelo comando da equipa felgueirense, então na 3.ª Divisão, e elege a liderança de Ricardo Soares como ponto chave do sucesso. "Lembro-me que o Bakero era quase como um amigo de infância do Ricardo, mas se tivesse de o deixar de fora da equipa fazia-o sem pestanejar. Não lhe interessava se o jogador amuava. Não havia intocáveis, só o rendimento".
Ricardo Soares replicou essa postura em patamares mais elevados, e quando abraçou um desafio em Vizela, levando a equipa do Campeonato Nacional de Seniores à Liga 2, manteve a coerência. "Focava-se em pormenores que nos faziam sentir que éramos os melhores jogadores do Mundo. Mas, se não fizéssemos o que ele queria, dava-nos um sermão à frente de toda a gente. Até podíamos ser o Cristiano Ronaldo ou o Messi, mas se andássemos a meio-gás ficávamos de fora", confessou Diogo Lamelas, na altura jogador do Vizela. O agora defesa de Os Sandinenses recordou ainda a capacidade motivacional de Ricardo Soares. "Estávamos na luta pela subida e no final de um treino, numa roda, ele percorreu o grupo, um a um, e disse que éramos uns campeões. A convicção da mensagem foi tanta que sentimos que ninguém nos podia derrubar", conta.
Mesmo quando se estreou no mais alto patamar, na Liga, ao comando do Chaves, Ricardo Soares não abandonou essa postura, cativando um grupo mais experiente. "Chegou com uma ambição tremenda e impôs-se facilmente como líder. Usava muito histórias populares, como a do sapo surdo, dizendo não interessam as críticas negativas vindas de fora, mas sim o trabalho em prol dos objetivos, e todos acreditamos ", lembrou o guarda-redes Ricardo, atualmente no Varzim.
Os segredos
Obcecado por pormenores
Apesar de se esquecer, frequentemente, onde deixa objetos pessoais, como as chaves do carro ou de casa, na altura do trabalho é um treinador obcecado pelo mais ínfimo pormenor na análise do treino e do jogo. Escudado por uma equipa técnica que o complementa, detalha todos os cenários possíveis e transmite aos jogadores uma mensagem incisiva do que pretende.
Defensor dos grupos
A exigência que aplica no trabalho é proporcional à defesa que faz do plantel, seja quais forem as adversidades. Em alguns clubes por onde passou, contrariou diretrizes das direções, porque sentiu que não eram justas para os jogadores. Não tolera que interfiram no seu trabalho quando sente que desvirtua aquilo que foi acordado, não hesitando em deixar projetos que não o cativem.
Mestre na motivação
A capacidade de reunir um grupo em torno de um objetivo é apontada como uma das maiores virtudes de Ricardo Soares. É um mestre na arte de motivar os atletas, com um discurso enérgico e recheado de ambição que faz os seus pupilos agigantarem-se e acreditarem que não há impossíveis. Mesmo quando os adversários têm outros argumentos, acredita na força do seu balneário.
Oportunidade para todos
Quem trabalha com Ricardo Soares sabe, desde a palestra inicial, que o nome e o currículo ficam à porta do balneário. Para o técnico não há intocáveis no plantel e só quem demonstra resultados durante a semana tem lugar garantido nas escolhas iniciais. Nos treinos a aplicação tem de ser ao jeito militar, não tolera quem não trabalha a 100 % e não disfarça uma teimosia nas suas ideias.