Rodrigo Mora: viagem à infância, as confissões da mãe e o que dizia o primeiro relatório
Avançado do F. C. Porto faz 18 anos na segunda-feira. Tem uma personalidade sem vaidade, não gosta de ouvir falar dele, nem de ver televisão. Mas Rodrigo Mora gosta de rever os jogos que faz quando chega a casa.
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Os sinais estavam todos lá, desde o início, quando aos quatro anos preferia ver futebol na televisão do que brincar, como seria normal para uma criança da idade dele. “Passava horas a ver a equipa B do Real Madrid, o Castilla”, recordou a mãe, Vânia Mora, ao JN, quando o filho, craque do F. C. Porto e grande promessa do futebol nacional, faz 18 anos depois de amanhã. “Foi sempre uma criança reservada, com uma paixão por bolas, que passava horas a ver futebol”, insistiu. Depois de uma primeira experiência positiva no Custóias, clube do concelho de Matosinhos, a passagem para a Constituição, para evoluir na Dragon Force, apenas durou mês e meio. “Disse-nos que não queria ir mais. Jogava uns minutos e puxava os calções ao treinador a pedir para o meter. Estar ali sentado, à espera da vez, não lhe fazia muito sentido, porque jogava pelo prazer e não se estava a divertir”, justificou a mãe.
Seguiu-se uma paragem de um ano, apesar da insistência do F. C. Porto, mas Rodrigo só voltaria a pisar o campo em Custóias, no seu ambiente, com os amiguinhos dele, e a magia não tardou a voltar. “Aos nove anos chegou a ter uma proposta de outro clube e já tinha sido convidado para ir lá fora várias vezes pelo F. C. Porto, mas não se sentia confortável. Até que um dia houve um torneio na Figueira da Foz e ele foi. Puseram-no a capitão e foi o melhor jogador do torneio, sentiu-se acolhido. Estava em vias de ir para outro clube, mas no dia seguinte chegou a casa e disse que queria ficar no F. C. Porto”, partilhou a mãe, sem querer revelar o nome do clube interessado.
Pai foi jogador de futebol
Em casa, o pai, Zé Manel, antigo jogador do Leixões, Braga e Moreirense, entre outros clubes, preferiu sempre refrear as ilusões, depois de ter vivido uma transferência gorada para o Sporting de Marinho Peres, para onde seguiram, nessa altura, Sá Pinto e Capucho. “Diz-lhe que o talento só não chega, é preciso estrelinha e as pessoas certas. Mas ele não faz nada do que os outros fazem na idade dele e isso faz-me confusão. A criança começou a desaparecer muito cedo. Tem uma personalidade sem vaidade, não lhe interessa ser conhecido”, garantiu a mãe, que reconheceu que conciliar estudos com futebol tem sido um problema: “Tem de ser alguém muito focado e não é o caso dele. Mais difícil é ouvir os outros, a crítica social e o apontar de dedo, não estuda e vocês não o obrigam? Se em vez de jogar à bola tivesse outra profissão, não iriam condenar o facto de ele não ter disposição para estudar depois de um jogo de futebol”.
Conseguiu recorde
O dia 15 de janeiro de 2023 ficou gravado na memória da família. António Folha chamou-o à equipa B e estreou-se numa liga profissional com 15 anos, oito meses e dez dias, estabelecendo um recorde. “Fomos apanhados desprevenidos. Quando ele entrou foi um momento super emocional para todos nós. Diziam que jogava futebol de rua, mas ele sempre jogou assim. Confesso que quando se estreou na equipa principal não estava tão ansiosa”, reconheceu.
De então para cá, o Rodrigo evoluiu, começou a fabricar golos com jogadas mágicas e é hoje um jogador imprescindível no F. C. Porto. “Quando me perguntam se fico admirada de o ver marcar golos daqueles… mas ele faz estes golos desde pequenino. Quem jogou com ele não se admira. Aquela ginga e as fintas sempre foram assim, é só ir ver os vídeos da formação. A questão é que ele continua a fazê-los nos seniores”, descreveu a mãe.
Na Amadora, quando os dragões perderam na jornada anterior, o “Mágico” ficou em branco. “Mas chegou a casa da mesma forma, subiu direto para o quarto. Não vê um único programa, nem ouve os comentadores, não quer ouvir nada sobre ele, nunca para à frente da televisão se estiverem a falar dele. Vai rever o jogo que fez, mas não liga às opiniões, nem ao que falam dele, não quer saber”, contou a mãe.
Há dias, de saída para o treino, tinha atravessado a rua, quando um carro parou a poucos metros. Saíram mãe e filha aos gritos, tinham-no reconhecido mesmo com o carapuço. “Disse-me logo, pára o carro, vou ter de sair mãe”, tirou umas fotos, enquanto os carros buzinavam, impacientes.
O impacto de Rodrigo Mora foi imediato. No primeiro treino em Custóias, o treinador, Bruno Rosas, dirigiu-se aos pais e não descansou enquanto não os convenceu a deixá-lo jogar. “Disse-nos que havia ali qualquer coisa de diferente do que estava habituado a ver, parecia que a bola tinha íman nos pés”, contou a mãe, Vânia Mora, ao JN. Rodrigo tinha passado as férias a dominar a bola entre espreguiçadeiras e não passou despercebido a um turista que o observou e perguntou se jogava futebol, porque se não jogava devia jogar. O miúdo envergonhado tinha seis anos, “apareceu agarrado à perna do pai, mas quando se soltou no treino ficamos a olhar uns para os outros”, recordou, ao JN, Bruno Rosas, coordenador técnico do Nacional e ex-treinador da Dragon Force, no Custóias. O relatório da descoberta de uma “pepita” seguiu para o Olival e não tardou a fazer efeito. “Na altura utilizei a expressão: ‘era só não estragar’, porque ele já era muito bom na relação com bola, demonstrava uma capacidade tremenda, era um apaixonado, tinha aquela magia já própria dele e fazia tudo com um sorriso fácil. Tirar-lhe a bola era só pelo cansaço”, debitou o treinador.
Já nessa altura, em 2012, as expressões utilizadas por Bruno Rosas para descrever Mora no primeiro relatório que o JN teve acesso não enganam. “É fabuloso ao nível técnico, tem facilidade na relação com bola, mas aquilo que sempre mais me apaixonou é a tomada de decisão e a facilidade que tem na interpretação do jogo. Em todos os treinos me deliciava com as decisões/ações, que colocava em campo”, pode ler-se. “Nos primeiros treinos já não se limitava a guardar a bola, tentava fazer uma cueca ao colega, passar no meio de dois, já era assim de uma alegria tremenda a jogar, com seis anos. Comentava em casa que tínhamos um miúdo incrível e que se este não chegasse lá acima, nenhum ia chegar”, acrescentou o treinador. “Costumo dizer que é um rato de área, capaz de rematar com os dois pés, como já fazia aqui no Custóias”, confirmou, ao JN, o senhor Rui, técnico de equipamentos que se recorda de Mora nos “traquinas”.
A capacidade impressionava. “Procuramos dar recursos aos miúdos e depois esperamos que cresçam, mas ele já tinha uma capacidade enorme, fazia uma leitura do jogo muito à frente dos outros, esperava pelo tempo certo para roubar a bola, fintava e tinha um carisma tremendo. Impressionava pela capacidade em pensar mais rápido sob pressão, utilizava recursos simples e era capaz de fazer uma leitura dos apoios dos adversários que fazia a diferença”, rematou Rosas.