Secretária de Estado britânica: "Peço desculpa pela minoria que causou problemas"
A presença da seleção inglesa na final four da Liga das Nações motivou a visita da secretária de Estado do Desporto da Grã-Bretanha, Miriam "Mims" Davies, de 44 anos, ao nosso país. A governante lamentou a derrota dos Três Leões frente à Holanda, mas, sobretudo, os desacatos causados por uma pequena parte da enorme massa de adeptos ingleses que visitam o Porto e Guimarães.
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Como viu o jogo entre Holanda e Inglaterra, em Guimarães?
O que aconteceu no relvado foi, obviamente, uma grande desilusão para todos os ingleses. Mas não posso deixar de destacar a excelente atmosfera no estádio e, claro, dar os parabéns à seleção holandesa.
A seleção falha a final, mas os clubes ingleses tiveram uma época de sonho, com quatro equipas nas duas finais europeias...
Bem precisávamos de alegria para nos distrairmos dos problemas políticos. O futebol inglês esteve simplesmente soberbo e ter quatro equipas nas finais das competições europeias é incrível. É uma demonstração de força da Premier League, uma competição que tem atletas de 68 nacionalidades e que, por isso, tem uma abrangência global.
A nível de seleções jovens, a Inglaterra tem conseguido excelentes resultados. A que se deve a evolução registada?
Uma das minhas principais responsabilidades enquanto secretária de Estado é garantir que os escalões de formação sejam bem sucedidos e isso obriga a uma boa parceria entre a FA [Federação inglesa], a Premier League e os clubes. O importante é que os miúdos que jogam ao sábado, ou depois das aulas, sintam que podem vir a ter a oportunidade de representar o país ao mais alto nível, ou atuar em grandes clubes do nosso futebol.
Sente que esses sucessos a nível da formação atraem ainda mais jovens para o futebol?
Sem dúvida nenhuma. Isso acontece com os portugueses, que se habituaram a ver o Cristiano Ronaldo, o Bernardo Silva, e tantos outros a brilhar, e também é muito bom para os miúdos ingleses terem novos ídolos e alguém que queiram imitar. Apesar de o futebol ser um desporto global, é bom ter heróis locais. Claro que isso não quer dizer que não tenha sido incrível receber, por exemplo, o José Mourinho na Premier League, porque levou novas ideias, muito talento. Acho que isso, no fundo, significa que todos ficamos inspirados com o futebol e com os grandes nomes.
E, na última época, houve uma equipa bem portuguesa na Premier League. Ficou surpreendida com o desempenho do Wolverhampton?
Não me admira que os portugueses sintam o Wolverhampton um pouco como um clube seu (risos). É mais um exemplo da importância global da Premier League. E os números mostraram que houve um crescimento nas audiências dos jogos dos "Wolves", graças a um grande treinador [Nuno Espírito Santo] e tão bons jogadores portugueses. Tendo em conta todos os desafios políticos que a Inglaterra atravessa, prova que o nosso futebol continua aberto para o negócio e que continua a ser desejado por todo o mundo.
Um desses desafios, supomos, tem a ver com o Brexit. Como é que o processo pode afetar o desporto inglês?
Antes de mais, quero referir que vamos acolher os Jogos da Commonwealth, em 2022, vários europeus e mundiais de muitas modalidades e inúmeros outros eventos desportivos. Por isso, insisto que a Grã-Bretanha vai continuar aberta para o negócio e, independentemende do que acontecer em outubro, sempre fomos uma nação global, aberta e inovadora. Trabalhamos e vamos continuar a trabalhar com os nossos amigos de outros países, que serão sempre bem-vindos à Grã-Bretanha. O Brexit oferece desafios a curto prazo, é verdade, mas quando se fala de desporto, a Grã-Bretanha vai continuar a ser um local onde todos podem brilhar.
Que opinião tem do futebol português?
Para ser sincera, fiquei com uma opinião ainda melhor depois da exibição contra a Suíça. E com Cristiano Ronaldo nesta forma, todos os cuidados dos adversários são poucos! Os portugueses sempre tiveram muito talento no futebol e esta nova Liga das Nações da UEFA ajuda a mostrar isso mesmo.
Por falar em Cristiano Ronaldo, o futebol inglês ainda sente a falta dele?
Ainda sentimos a falta de David Beckham (risos), tal como vocês (portugueses) devem sentir a falta de Figo. Acho que há sempre lugar para os novos talentos, mas claro que há atletas que ficam no coração dos adeptos por muitos anos que passem. E isso acontece com Ronaldo e na forma como os britânicos olham para ele.
Como comenta os desacatos causados por adeptos ingleses no Porto?
Antes de mais, peço desculpa pela minoria que causou problemas e que tentou estragar um momento que devia ser de festa, não aproveitando a hospitalidade do povo portuense. É uma minoria, é verdade, mas o futebol não pode ser uma desculpa para péssimos comportamentos. Quando viajei para Portugal vi muitos agentes a vigiar os aeroportos, a controlar os passaportes para impedir todos aqueles que estão banidos. O trabalho das polícias, tanto portuguesa como inglesa, também tem sido extraordinário. Isto devia ser uma celebração e para aqueles ingleses que viajam para causar distúrbios e em busca da violência tenho uma mensagem clara: não precisamos de vocês, vamos encontrar-vos e não voltarão a entrar num estádio de futebol.
São quase dois mil ingleses impedidos de viajar com a seleção. É algo para manter?
Nunca daremos descanso a este problema. É importante que o desporto seja uma experiência positiva, que ajude o turismo dos países e que permita que os adeptos se divirtam. Vamos fazer tudo para manter os adeptos felizes, para recebermos bem quem nos visita. Os próprios adeptos ingleses, a grande maioria deles, têm feito um belíssimo trabalho e merecem o meu elogio, porque também eles estão fartos daquele minoria que dá cabo do bom nome dos outros fãs ingleses. Para quem continuar a causar problemas, uma garantia: vai ser a última vez que o fazem.
Uma das prioridades que anunciou quando chegou ao cargo foi a luta contra o racismo. Como está a correr esse desafio?
Quando assumi o cargo, em novembro, era óbvio para mim que havia uma mancha muito grande no nosso desporto, em concreto no futebol. Se não enfrentarmos o problema, com coragem, não haverá forma de o deter! Em nenhuma outra profissão, alguém é insultado e sofre abusos por causa da cor da pele em pleno local de trabalho. Já falei de todos os pontos positivos do futebol - a inclusão, etc., etc. -, mas a nível internacional temos tido momentos embaraçosos e é simplesmente errado. Encorajei a denúncia dos casos [de racismo] e, acima de tudo, para que deixemos de usar o futebol como manto de intolerância. Tal como em relação à violência, não podemos deixar que uma pequena minoria afete o desporto e os atletas. Alguns deles, como o Danny Rose e Raheem Sterling, por exemplo, têm feito um trabalho brilhante na luta contra o racismo. O futebol não pode ser intolerante, tem de ser uma inspiração. Quem não pensar assim, não é bem-vindo aos estádios.
Miriam Davies
Data de nascimento: 2/6/1975 (44 anos)
Nacionalidade: Britânica
Ocupação: Secretária de Estado do Desporto, Sociedade Civil e Solidão.