Vitalício, com estátua e deificado: adeptos do Flamengo querem Jesus para a eternidade
Os adeptos do Flamengo são tantos que o melhor é incluir o planeta praticamente todo para os abarcar. Diz o slogan que se destaca na parede do museu do clube, que fica na Gávea, zona do alto Leblon, bairro bom do Rio de Janeiro, escrito a letras rubras e negras fatais: "Somos todos os adeptos do mundo menos alguns".
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Ali tudo fervilha de excitação; estamos a poucas horas do início do "jogo das nossas vidas", dizem eles, o jogo que esta noite, serão 1.30 horas da madrugada em Portugal, vai decidir na arena do Maracanã o finalista da Copa dos Libertadores, o equivalente à europeia Liga dos Campeões na América do Sul, no jogo fervente entre Flamengo e Grémio. O outro finalista já está apurado: o River Plate, da Argentina, que ontem se apurou frente ao Boca Juniors (2-1 nas duas mãos). A finalíssima está marcada para 23 de novembro, em Santiago do Chile.
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Mas quantos é realmente são os adeptos do Mengão? A alegação popular diz serem 40 milhões só no Brasil, e o número é atestado pelo instituto Datafolha, ou seja, um em cada cinco brasileiros totais, e eles são 209 milhões, será comungante do Clube de Regatas do Flamengo, agremiação fundada em 1895 e que agora tem como treinador o português de 65 anos Jorge Jesus que vive aqui um processo de santificação.
40 milhões de adeptos só no Brasil
Como é que pode, 40 milhões? "Pode", responde Christian, 45 anos, vendedor ambulante muito agitado que passarinha na rua em frente ao museu a segurar braçadas de cavalinhos de peluche muito olhudos e vestidos com camisolinhas às listas vermelhas e pretas que vende a 70 reais (15 euros) cada um. "É. Pode. Enquanto os outros só têm torcida, o nosso Flamengo tem toda uma nação!", decreta Christian a citar outra frase famosa inscrita no alto do mural do clube bicolor. "Olha o cavalinho mengão! É 70, é 70!", diz ele a agarrar um peluche pelo cachaço que põe a correr no ar.
É o mister, é o mister, olé, olé!
"Esse é um momento histórico!", diz de olhos emocionados e cerveja na mão Guilherme Leal, um comercial de 27 anos que veio da Bahia, em Salvador, a 1400 quilómetros daqui, só para ver esta final. "Somos oito amigos, viemos de propósito realizar o sonho, nunca nenhum de nós viu o Flamengo ganhar a Libertadores".
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Todos eles têm menos de 38 anos e foi nessa data, 1981, que o Flamengo venceu a única Copa dos Libertadores da sua história, num jogo memorioso contra o Cobreloa, do Chile, com dois golaços de Zico, o "Rei Artur", o "Deus do futebol", o mais exímio cobrador de faltas de toda a história do futebol do Brasil.
"E tudo isso, esse momento histórico", diz ainda Guilherme, a gente deve a uma pessoa, Jorge Jesus, o nosso mister, o melhor treinador do mundo" - e ele desata a cantar um refrão mexido que aqui já se celebrizou: "´É o mister, é o mister, olé, olé!".
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Uma estátua para Deus
"Me ouça, Jesus [ele diz, como todos dizem aqui, Jésuís], me ouça, ele merece estátua, ele vai ter estátua, ele vai ficar para sempre entre nós", junta empolgado Leandro Silva, 31 anos, que enverga a camisa do rubro-negro e também veio cheio de chispa da Bahia. "Ele já mudou para sempre o futebol do Brasil", diz Leandro, "o seu estilo é sensacional, não desarma nunca, nunca desiste, sempre em cima deles, super-atacante, super-pressionante, não interessa se já está a ganhar por 3 ou 4 a zero, ele mete sempre a carne toda no assador", diz o adepto a rir, agora a citar a frase de Jesus que já se celebrizou pela intensidade que o português imprimiu ao futebol atacante de cá.
o seu estilo é sensacional, não desarma nunca, nunca desiste, sempre em cima deles
"Merece estátua! Ele é Deus!", decreta agora Linequer Andrade, 29 anos, que veio de Salvador e gastou 3 mil reais (600 euros), incluindo o ingresso para o jogo, o hotel e a passagem de avião. "Jesus trouxe a modernidade ao futebol do Brasil. Mudou tudo, parecemos a melhor das melhores equipas europeias, não temos medo de enfrentar ninguém!", diz Linequer a sublinhar que no Brasileirão, o principal escalão do futebol profissional, quando Jesus chegou o Flamengo estava oito pontos atrás do 1.º, que era o Santos, e agora está isolado em 1.º com o 2.º, que é o Palmeiras, a 10 pontos de distância. "É de outra galáxia o nosso Jesus!", expõe o adepto estratográfico.
É de outra galáxia o nosso Jesus
E agora chega a musa do Mengão
"Hoje o meu Fla impressiona o mundo! Não é só o Brasil, é o mundo, o mundo todo!", depõe Moaci Catane, um catarinense que enverga a camisa histórica de Zico da glória de 1981, a beijar o símbolo perante a nação. "Ele é o nosso general, nós somos os seus soldados, venceremos todas as batalhas, ganharemos todas as guerras" - e nisto Moaci cala-se, e toda a gente, ou pelo menos todos os homens que estavam ali ociosos e ridentes em frente ao Museu do Flamengo, torce o pescoço e fica a pasmar porque acabou de chegar Fernanda Amaral.
Ela é a bombástica Musa do Flamengo que fica ali a sorrir e a acenar, no seu microvestido preto, pernas intermináveis, stilettos a brilhar, a rubra faixa de miss cruzada a adejar. "Ai Jesus!", diz a Fernanda na ilimitada brancura dos seus dentes, "Jesus é o nosso salvador, é o nosso redentor, nunca vi o meu Fla a jogar assim, ai que emoção". Fernanda, a Fer7-oficial do Instragram - "´É, bota aí pros meus seguidores de Portugal, vai Fla!" - vai ainda mais longe do que os outros na sua adoração a Jorge Jesus: "Por mim, eu dava contrato vitalício pra ele! Vitalício. É, para sempre. Não queremos agora ser treinados por mais ninguém". E a musa desata a entoar a parte do hino do clube que já contém uma estrofe, conteve sempre, premonitoriamente dedicada ao mister português: "Na regata, ele me mata, me maltrata, me arrebata. Que emoção no coração! Consagrado no gramado, sempre amado, o mais cotado. Nos Fla-Flus é o Ai, Jesus!" - e toda a gente ali continua a flashar fotos em cima da pomposa miss musa.
E Fernanda só perde um bocadinho de atenção porque subitamente entra em cena, e de apito rompante, o Senhor Meme, o adepto flamenguista que se veste sempre de árbitro VAR, amarelo canário dos pés ao cabelo, um cromo sem igual. É muito estrídulo e ressoante, o Senhor Meme, um pimpão sempre a cantar e a dançar e a gozar. "É a dança do alicate, alicate cate, cate", canta ele com as pernas bambas a abanar, "tava jogando bola aí, o juiz quis me roubar, chama o VAR, chama o VAR".