
Fábio Poço/Global Imagens
No último ano, o Sindicato auxiliou mais de 20 jogadores. Salários em atraso e questões familiares entre os problemas.
"Então mas eles fazem o que gostam, têm salários acima da média, bons carros, são conhecidos, até passam na televisão, e, mesmo assim, têm problemas psicológicos?". Pois. Depressões, ataques de pânico e de ansiedade, dificuldades em dormir, stresse, distúrbios alimentares. "Não é por ganharam bem e terem uma boa vida, e não são todos, que os futebolistas estão imunes a esses problemas", destaca Jorge Silvério, psicólogo desportivo.
Desfeito o imenso mito, dizer que a saúde mental está na ordem do dia, talvez como nunca antes, mas Portugal continua atrasado em relação ao escrutínio e à importância que o assunto já merece além-fronteiras. "Continua a ser visto como tema tabu", confirma Jorge Silvério. "Ainda há muito preconceito em falar disto", corrobora Joaquim Evangelista, o presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF). Mesmo que, um e outro, assegurem que "há cada vez mais futebolistas a pedir ajuda psicológica", ambos são unânimes em denunciar o silêncio em relação ao tema e em reprovar a "vergonha" de quem sofre das doenças em abordar o assunto publicamente e o "estigma social" de quem olha para os jogadores de futebol e vê "super-homens": "Toda a gente acha que ser futebolista é uma profissão de sonho...", desabafa Joaquim Evangelista.
Não são muitos, principalmente em Portugal - e esse buraco académico também diz muito sobre como o assunto ainda é tratado com pinças -, mas os poucos trabalhos relacionados com o tema apontam, de acordo com Jorge Silvério, para que "um em quatro futebolistas" sofram com a saúde mental. "Mais do que depressão, é a ansiedade que provoca mais problemas", acrescenta. As causas, essas, são mais variadas do que se pensa. Há a pressão inerente à profissão, acentuada agora pelas redes sociais, mas também os salários em atraso, o desemprego, o final da carreira, problemas familiares. Joaquim Evangelista destaca o "bullying dos clubes" para resumir "estratégias inaceitáveis dos dirigentes" para pressionar os jogadores, como "colocá-los a treinar à parte".
Ajuda só em desespero
Neste sentido, em outubro de 2017, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Psicologia no Desporto e a Federação Portuguesa de Futebol, o SJPF lançou um projeto de apoio à saúde mental com o objetivo de "colocar o tema na ordem do dia e dar aos jogadores uma resposta profissional". Um ano depois, Joaquim Evangelista indica que "tudo corre como planeado" e avança proveitos. "Desde o início, mais de duas dezenas de jogadores vieram ter connosco em busca de ajuda e neste altura temos outros que estão a ser acompanhados", revela ao JN. O dirigente só continua a lamentar o facto de se adiar o inevitável até ao desespero. "Normalmente, vêm ter connosco já em estados avançados da doença, e pretendemos que eles procurem ajuda mais cedo", acrescenta, sem meter nomes ao barulho: o sigilo não só é garantido, como ainda é praticamente obrigatório.
Joaquim Evangelista não tem dúvidas de que continua a haver "muitos jogadores que não têm coragem para se dirigirem a nós [em busca da ajuda]", pelo que enfatiza a urgência em humanizar o tema culturalmente: "É obrigatório afastar o preconceito", completa o dirigente.
