Factura: 212,10 euros. É quanto os pais do José, aluno do 10.º ano da Escola Secundária Abel Salazar na área de Ciências e Tecnologias, terão de pagar pela encomenda dos manuais escolares que já estão à sua espera na loja de sempre.
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Na papelaria Sonho Real, em São Mamede de Infesta, não há multibanco, nem fiado, nem prestações suaves. As contas pagam-se por inteiro. Em dinheiro.
E clientes não têm faltado. "Os miúdos têm de ter os livros! Olhe que as vendas não mudaram com esta crise", diz a dona do estabelecimento, Maria Sarmento. Vende livros escolares (e toda a parafernália de materiais afins) há 35 anos. Sabe do que fala. "A nossa margem de lucro não é grande. Se fizéssemos descontos nos livros, não daria para pagar as despesas".
A livraria é a última paragem de um livro escolar, antes de chegar aos alunos. Muitos factores pesaram para se fixar um preço final no mercado de consumo. É um negócio que envolve milhões, atestou já a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL). Segundo a Porto Editora, gastam-se, "sem exageros, dezenas de milhares de euros" a fazer um manual.
Este ano, o preço dos manuais do Ensino Básico subiu 0,5%. Desceu 0,6% nos do Secundário. São "preços sem aumento significativo", diz, em comunicado, a Comissão do Livro Escolar da APEL.
No entanto, esta é uma despesa que continua a interferir com a situação financeira tremida das famílias portuguesas, que, além dos manuais, ainda têm listas (algumas caprichosas) de material escolar. Muitas famílias não sabem se continuarão a beneficiar da acção social escolar. Entretanto, todas já conhecem as mudanças dos limites das despesas de educação dedutíveis nos impostos - penalizadoras. E continuam a perguntar: Por que são os livros escolares tão caros?
A história (quase) interminável
Há ideias para reduzir os encargos das famílias em manuais escolares, ano após ano de ensino obrigatório. Há até estratégias para escapar à compra de alguns livros ou obter descontos. Mas, para a maioria dos encarregados de educação em Portugal, no final das contas, educar sai caro. Por isso, fomos saber o que envolve a elaboração de um manual.
Segundo fonte da Porto Editora, "basta atentar no facto de o processo envolver profissionais e técnicos altamente especializados, na sua esmagadora maioria de formação superior, e considerar o trabalho de investigação e revisão que o sustenta" para justificar o avultado investimento de "dezenas de milhares de euros".
Um livro escolar nasce em sete passos
Segundo a mesma editora, "um manual de qualidade" faz-se em sete passos. Tudo começa no Ministério da Educação, a quem cabe a selecção da equipa de autores (que define as directrizes programáticas para todas as disciplinas e todos os anos de escolaridade) e a homologação dos programas curriculares.
Na fase dois, passam entre seis e nove meses de pesquisa e planeamento, até os autores chegarem ao momento de apresentar uma proposta inicial a consultores científicos e pedagógicos. Passam mais seis a nove meses para formar uma equipa editorial que irá concretizar o projecto. Esta equipa envolve editores, designers, ilustradores, fotógrafos, paginadores e revisores. Neste terceiro passo, são criadas páginas-tipo e o estudo gráfico do manual e materiais adjacentes.
É, uma vez mais, no mesmo espaço de tempo que decorre a paginação, revisão editorial e científica e a primeira edição dos manuais. Quarto passo concluído.
No quinto momento desta cadeia, "inicia-se um processo exaustivo de revisão e análise da primeira edição, que conta com a colaboração de professores, revisores independentes, associações de professores e sociedades científicas", explica a mesma fonte da Porto Editora.
Fase seis: uma vez chegado ao mercado e às escolas, todas as sugestões e apontamentos de incorrecções detectadas por professores e alunos serão tidas em conta nas novas impressões. E, uma vez actualizado, ao sétimo passo, o manual chega à sua versão final. Saldo final: a gestação do manual demorou entre 18 e 27 meses.
Alheias a esta fase de criação, as escolas têm depois a liberdade para escolher o seu próprio projecto educativo, ou seja, escolhem os seus próprios manuais, "algo que não se passa só em Portugal, mas sim um pouco por toda a Europa", comenta Albino Pinto de Almeida, presidente do Conselho Executivo da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap).
Libertadas as listas de manuais obrigatórios, é a vez de as livrarias e papelarias entrarem neste negócio.
500 euros só para chegar à livraria
"Fazemos a encomenda às editoras pela Internet. Antigamente, íamos buscá-los pessoalmente, mas agora não é permitido, logo, pagamos os portes de envio. No ano passado, o total pago em despesas de transporte ultrapassou os 500 euros". Com algumas dezenas de encomendas prontas a vender ao fundo da papelaria Sonho Real, Maria Sarmento explica que os vendedores têm uma percentagem de lucro de 20%. "Não dá prejuízo, mas não dá muito dinheiro", acrescenta. Aqui, por mais um euro por livro, os manuais já vão encadernados para casa. Descontos? "Nem pensar."
Quem procura uma atenção no preço, pode, por exemplo, encomendar os livros no site da livraria Wook. Trocas também são possíveis: nos sites do Clube dos Livros Escolares e da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, a título de exemplo.
Mas a técnica das trocas - medida aplicada pela ex-ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, no Governo de Santana Lopes, que gerou algumas expectativas na época -, nem sempre se pode aplicar. Na perspectiva do presidente da Confap, "é uma ideia feita. Não resulta". Aliás, "no caso do 1.º ano do Ensino Básico, é impossível, porque os alunos têm de escrever nesses manuais".
Então... Que saídas?
"Depois do esforço tecnológico feito pelo Governo na Educação, seria uma consequência natural desse processo apostar na elaboração de conteúdos multimédia certificados. E esse será o futuro", defende Albino Pinto de Almeida.
Futuro: conteúdos multimédia
A Confap defende uma distinção entre o que é um manual e o que são conteúdos multimédia. Assim, disciplinas como Português e Matemática teriam manuais escolares obrigatórios. "Apenas deveriam mudar os manuais de disciplinas que estão em constante evolução".
A grande aposta passa pelos conteúdos multimédia. "A escola portuguesa ainda está muito baseada no manual como forma de cumprir o currículo", continua a argumentar o responsável, que evoca o modelo finlandês, no qual as novas tecnologias obrigam os professores a um desafio de formação permanente. "As próprias associações de pais teriam formação para estes poderem acompanhar os filhos. E a mesma medida deveria ser aplicada no âmbito das Novas Oportunidades", acrescenta Albino Pinto de Almeida.
É convicção desta confederação, que só um salto rumo à modernização das escolas portuguesas pode aliviar o encargo das famílias em resmas de papel tão caro.