Crise pode ter dois efeitos: a não adesão, por causa da instabilidade no mercado do trabalho, ou forte adesão, devido à frustração.
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A primeira questão que importa esclarecer, segundo Elísio Estanque, especialista em Sociologia do Trabalho e professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, é a natureza da sondagem da Universidade Católica divulgada no início do mês.
"O universo da sondagem é a população portuguesa e não apenas a população trabalhadora", esclarece, apontando esta como uma das razões pelas quais a diferença entre a percentagem dos que concordam com a greve geral e dos que admitem aderir à mesma é significativa. "Se o inquérito tivesse sido feito apenas aos portugueses que têm trabalho, a percentagem dos que dizem que vão aderir à greve seria maior".
Embora tradicionalmente, a adesão dos portugueses a acções colectivas de protesto (entre as quais se incluem as greves, manifestações nas ruas e cortes de vias de comunicação) seja das mais baixas na Europa, Elísio Estanque considera que a greve geral marcada para a próxima quarta-feira terá "uma grande adesão". "Apesar de os portugueses serem demasiado tolerantes e passivos perante as injustiças, se os problemas não forem resolvidos, há um momento em que terão necessidade de dizer «Alto!»", afirma.
Jorge Vala, professor no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e um dos coordenadores do projecto "Atitudes Sociais dos Portugueses", lembra que "vamos assistir a um movimento grevista num momento em que as pessoas ainda têm uma experiência real das medidas de austeridade".
Embora António Dornelas, investigador do Centro de Investigação e Estudos em Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, considere que o facto destas terem já sido anunciadas pode gerar uma forte participação na greve geral, como forma de "expressar um descontentamento".
Apesar de, em termos genéricos, a adesão às greves "tenha vindo a declinar", António Dornelas diz-se curioso para ver se o mesmo "também se confirma numa greve geral", convocada pelas duas centrais sindicais, a primeira desde 1988.
Quanto aos baixo grau de participação dos portugueses em acções colectivas de protesto, Dornelas invoca, como uma das razões, o paradoxo da acção colectiva, desenvolvido pelo cientista social americano Mancur Olson (1971): mesmo que todos os indivíduos de um determinado grupo sejam racionais e estejam concentrados nos seus próprios interesses, mesmo que todos saiam a ganhar, atingindo os seus objectivos comuns, se agirem em grupo, ainda assim eles não vão agir voluntariamente para promover esses interesses comuns e grupais.
"Ou sejam, o mais inteligente é não fazer greve, mas fazendo com que os outros a façam. O que significa que, se cada um dos indivíduos tomar este decisão racional, não há greve", especifica António Dornelas.
Jorge Vala acrescenta a questão da ausência de eficácia política. "A adesão a uma greve tem custos muito grandes. O trabalhador perde a remuneração correspondente a esse dia e sente que a eficácia política da sua acção é reduzida. Há um sentimento de que não consegue influenciar/mudar a acção política", afirma.
Este é, porém, um princípio geral. "Em grupos profissionais mais politizados, com maior compreensão sobre o funcionamento do mundo político e em que há uma experiência positiva do resultado na acção política, a mobilização tende a ser maior", refere o mesmo investigador. "Veja-se o caso dos professores".
Protecção jurídica "generosa"
Embora seja compreensível que um trabalhador não faça greve por recear retaliações por parte do patrão, António Dornelas e Catarina Carvalho, professora na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, sublinham que "a protecção jurídica portuguesa é das mais generosas".
O direito à greve está consagrado constitucionalmente (artigo 57º), embora, de acordo com Catarina Carvalho, alguns juslaboristas entendam que a greve só pode ser convocada quando está em causa a defesa de interesses laborais específicos contra um determinado empregador. "É o caso das greves da Função Pública relativamente ao empregador Estado", exemplifica.
À luz deste conceito técnico, do qual Catarina Carvalho não partilha, a greve geral convocada para quarta-feira não tem enquadramento legal. "Esta é uma discussão que por enquanto só se faz no meio académico. Ainda nenhum tribunal se pronunciou sobre o assunto", refere.
Conceitos à parte, o Código do Trabalho, através do artigo 603º, determina que "é nulo e de nenhum efeito todo o acto que implique coacção, prejuízo ou discriminação sobre qualquer trabalhador por motivo de adesão ou não à greve". A questão que se coloca, prática, é a de estabelecer o elo de ligação entre a adesão de um trabalhador à greve e qualquer mudança nas relações laborais.
"Os problemas mais complicados colocam-se aos trabalhadores a prazo, uma vez que a sua adesão a uma greve pode ter como repercussão a não renovação do contrato quando este chega ao seu termo", afirma Catarina Carvalho. "Por isso, é raro os trabalhadores contratados aderirem a uma greve".
A sondagem da Universidade Católica, já citada, revela isso mesmo. A disponibilidade dos funcionários públicos em aderir à greve (26%) é maior do que entre os trabalhadores precários (7%). Embora haja quem defenda que isso se deve ao facto de os funcionários do Estado serem os que mais vão sentir os efeitos das medidas de austeridade.
Elísio Estanque considera que "as dificuldades e as pressões no mercado de trabalho por parte das entidades patronais e das hierarquias se deve a um défice democrático nas empresas", em particular nas micro e pequenas empresas, cujos "empresários têm baixa escolaridade" e onde "há mais atitudes despóticas. Por isso, defende o reforço dos mecanismos internos de diálogo, para evitar situações de ruptura, dando como exemplo a Autoeuropa, onde a comissão de trabalhadores tem um papel preponderante na gestão de conflitos.