Primeiro presidente da República após o 25 de Abril - que ajudou involuntariamente a construir - e militar famoso da Guerra do Ultramar, é revisitado em livro da autoria de Luís Nuno Rodrigues e com a chancela da Esfera dos Livros. Chega amanhã às livrarias.
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António Sebastião Ribeiro de Spínola nasceu a 11 de Abril de 1910 em Estremoz, na Rua Serpa Pinto, freguesia de Santo André. Era filho de António Sebastião de Spínola e de Maria Gabriela Alves Ribeiro de Spínola, ambos naturais da ilha da Madeira, onde casaram em 1902.
A sua família, à qual se juntaria três anos depois o irmão Francisco, residia em Estremoz porque o pai era funcionário das Finanças e, na altura, encontrava-se colocado ali. O casal perdera, entretanto, uma primeira filha, Maria Emília, em Agosto de 1906, já em Estremoz.
A infância de Spínola seria marcada pela instabilidade política, pelas tensões sociais e pelas dificuldades económicas que o País atravessaria nos anos seguintes à instauração da República em Portugal, a 5 de Outubro de 1910, sobretudo em resultado da eclosão do primeiro grande conflito mundial em 1914. Foram anos de crise a todos os níveis.
Em Dezembro de 1917, na sequência de novo golpe de Estado, chega ao poder o “presidente-rei” Sidónio Pais. A família Spínola envia os dois filhos para casa dos avós em Porto da Cruz, Madeira. Foi ali que Spínola iniciou a escolaridade e completou o primeiro ano da instrução primária, em Julho de 1917. A estadia, porém, foi curta e, no ano seguinte, António e Francisco regressaram ao Continente. A família foi então abalada pela morte súbita da mãe, Maria Gabriela, com apenas 32 anos, provavelmente vítima da epidemia de gripe pneumónica que afectou o país em 19184.
O pai, viúvo, residia agora em Sintra e matriculou os filhos no Colégio Militar. António de Spínola recorda-o como homem “organizado e duro” que, mesmo sem antepassados militares, entendeu ser o Colégio Militar a melhor instituição para educar e “disciplinar” os filhos. Spínola tinha 10 anos e acabou por fazer o primeiro ano lectivo nesta instituição em 1920-1921.
Spínola esteve no Colégio Militar até 1928, sendo o aluno n.º 33. O começo não foi fácil devido, sobretudo, à saúde. Antes de ingressar no colégio, Spínola tinha sofrido de varíola e depois, em pleno ano lectivo, foi atacado por uma doença pulmonar chamada pleurisia serofibrinosa que o afastou no segundo semestre lectivo.
Ultrapassadas as primeiras dificuldades, porém, Spínola viveria anos intensos e marcantes no Colégio Militar. Ali cumpriu um percurso escolar “regular”, sem “grande brilhantismo”, obtendo a média de 13 valores na 1.ª e 2.ª classes, com notas melhores a Matemática e a Geografia. No comportamento, a caderneta escolar descreve-o como “correcto, atento” e com “manifesta vontade ao estudo”. Nos dois anos seguintes destacou-se a História, Geografia e Desenho, embora recebesse algumas reprimendas.
Na sua caderneta ficaria a advertência por “gravar” o nome numa mesa do refeitório e outra por se portar “incorrectamente” na sala de aula. O balanço, porém, não era negativo, surgindo como aluno “correcto, vivo e cuidadoso” e demonstrando “boas qualidades”, apesar de “simples” e “acriançado”. O próprio Spínola recordaria um episódio ocorrido aquando da récita do seu 6.º ano no Colégio Militar. No teatro do “quartel velho”, o subdirector do colégio, coronel Octávio Frederico Dias, apanhou Spínola a fumar e mandou-o “recolher imediatamente” ao colégio. Quando, mais tarde, foi à camarata do jovem para o chamar de volta à récita, encontrou-o, de novo, a fumar. Foi proibido de sair do Colégio Militar alguns domingos.
Com o tempo, Spínola melhoraria o comportamento, adaptando-se à “disciplina militar” da instituição. As “observações finais” da caderneta escolar referem-no como aluno que soube “aceitar os conselhos” e que foi “anulando os pequenos defeitos, tornando-se um cadete altamente disciplinador” e “bom auxiliar na educação dos outros alunos da companhia”. Spínola tinha desempenhado “os serviços a seu cargo com dedicação e de maneira a só merecer elogios”, revelando-se “enérgico, brioso e professando um grande culto pelos princípios de boa camaradagem”.
No Colégio Militar, descobriu a “verdadeira vocação”, decidindo “abraçar a carreira das Armas” que passou a ser “o grande sonho da sua vida”. Para Spínola, ter estudado no Colégio Militar era “honra tão alta” quanto as condecorações que receberia ao longo da carreira. Assim se justifica que, naquele que foi o dia mais importante da sua vida – 25 de Abril de 1974 –,tenha decidido parar junto do Colégio Militar, no trajecto do Quartel do Carmo à Pontinha, após receber o poder das mãos de Marcello Caetano. Tratou-se, no dizer do próprio, de uma “saudação simbólica ao estabelecimento onde me orgulho de ter aprendido a amar a Pátria”.
Foi enquanto aluno do Colégio Militar que, com 16 anos de idade, assistiu à queda do regime instalado em 1910, precisamente às mãos da instituição militar. Com o movimento de 28 de Maio de 1926, começava a aperceber-se da importância das Forças Armadas na vida política portuguesa, com a implantação do regime de Ditadura Militar que duraria até à ascensão de António de Oliveira Salazar à chefia do Governo, em 1932, e à proclamação da nova Constituição, em 1933.
Com apenas 18 anos, Spínola foi promovido a primeiro-sargento cadete e colocado no Regimento de Cavalaria 4, em Santarém. Em 1930, ingressou na antiga Escola do Exército, fazendo uma escolha determinante: a opção pela arma de Cavalaria. A Cavalaria representava uma escola de “elite”. As “superiores virtudes” dos que escolhiam esta arma e o espírito de união e de solidariedade entre os homens de Cavalaria seriam princípios que Spínola reafirmaria constantemente. Quando chamado a exercer cargos de responsabilidade militar e até política, escolheu para colaboradores próximos oficiais de cavalaria. A 21 de Julho de 1972, reconheceu que foi a opção por esta arma que lhe “temperou o carácter e a personalidade militar”.
No início da década de 1930, estava ao rubro a luta política no seio da Ditadura Militar. A formação de Spínola enquanto homem e a passagem à idade adulta, bem como a sua formação militar e política, foram feitas neste contexto: Oliveira Salazar tornava-se a figura central da vida política portuguesa, primeiro como ministro das Finanças e, a partir de 1932, como presidente do Conselho de Ministros.
Foi muito claro o “alinhamento” da família Spínola com o emergente “salazarismo”, por razões políticas e profissionais: em Abril de 1935, o pai tornou-se chefe de gabinete de Oliveira Salazar no Ministério das Finanças, cargo que ocuparia até à remodelação governamental de 1940.
O ano de 1932 seria marcante na vida do jovem António de Spínola. Casou, em Agosto, com Maria Helena Martin Monteiro de Barros, filha do prestigiado brigadeiro João Monteiro de Barros e de Gertrud Elizabeth Monteiro de Barros, e irmã de José Monteiro de Barros, antigo colega de Spínola no Colégio Militar. Maria Helena tinha 19 anos, menos três que António. O casamento teve lugar na Igreja dos Anjos, Lisboa, e duraria até ao final das suas vidas, mas o casal nunca teve filhos devido a uma “doença cardíaca” cedo diagnosticada a Maria Helena. O casamento com ela acabaria por se traduzir numa ainda maior aproximação de Spínola aos meios militares à situação e a Oliveira Salazar.
