Os negócios que reabrem na segunda-feira. Esperança e receio de portas abertas
Confiança. Expectativa. Preocupação. Com três palavras apenas se define o sentimento de quem tem negócios que reabrem segunda-feira - como as livrarias, cabeleireiros ou stands de automóveis - ou que ganham novas valências - como as pastelarias, que poderão vender bebidas ao postigo.
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O JN ouviu patrões e empregados que vão voltar ao local de trabalho. Desconhecem se este desconfinar será de curta ou longa duração, mas todos dizem que os prejuízos acumulados nos últimos meses tinham de ter um fim, porque o pé de meia está a esgotar-se.
É ótimo, pelo menos saímos de casa
Para a livraria Poetria, como para outros tantos negócios, 2020 foi um ano de pára-arranca. Ora abria, ora fechava, consoante iam determinando as autoridades. Escusado será dizer que o efeito foi ruinoso. A equipa teve que prescindir de um dos funcionários porque as contas apertam e o orçamento não alarga. O que aí vem é uma incerteza, mas Francisco Reis apresenta-se confiante. "É ótimo, pelo menos saímos de casa", responde, esperançado no reabrir de portas e numa nova dinâmica, até agora reduzida ao contacto pela via digital.
Os tempos estão difíceis, porém no número 72 da Rua das Oliveiras, Porto, a morada da livraria dedicada à poesia e ao teatro, há um otimismo moderado. Sobretudo, existe uma tremenda expectativa. As memórias recentes não são boas. A época do Natal, que por tradição favorece as vendas, ficou aquém do esperado. "Tendo que escolher entre os bens de primeira necessidade e os livros, as pessoas optam por aquilo que lhes faz mais falta", justifica Francisco Reis, adiantando que a "retração" foi evidente na quadra natalícia.
A juntar a este dado, o limite na lotação da loja também prejudicou. "Só podia entrar um cliente. Se fosse um casal, entravam os dois. Como as pessoas não gostam de esperar e de estar em filas, também perdemos por aí", anota.
A Poetria encerrou a 6 de janeiro e desde aí a ligação com os compradores tem funcionado à distância. As encomendas foram aparecendo através do site e os livros foram sendo entregues pessoalmente ou despachados por via postal. "Por mês, nas redes sociais, somos seguidos por 10 mil pessoas. Os livros enviados através dos CTT vão para todo o Mundo", sublinha, para dar conta do interesse e da importância da Poetria. Depois de amanhã, entre as 13 e as 18 horas, começará um novo ciclo. À plataforma eletrónica alia-se o contacto direto. O resultado dependerá da procura.
Já fiz marcações para a semana toda
No minuto em que o primeiro-ministro, António Costa, anunciou a reabertura dos cabeleireiros, o telemóvel de Paula Freitas começou a ser bombardeado com mensagens. Eram dezenas de clientes a lutar pelas primeiras vagas no salão, que vai reabrir depois de amanhã. "Já fiz marcações para a semana toda", confessa a profissional de 47 anos, natural de Braga, "entusiasmada" com um regresso há muito desejado.
"Já estávamos desesperados, porque dois meses parados é muito tempo. As despesas continuam e o meu ordenado vem dos clientes", refere Paula Freitas, pronta para passar o fim de semana de volta das limpezas, para poder receber as mulheres que costumavam estar ao seu cuidado. Algumas, reconhece, podem não voltar, porque procuraram, entretanto, outras profissionais que furaram as regras.
"Chegaram a ligar-me durante o confinamento e eu não aceitei trabalhar. Tenho perceção de que outras cabeleireiras mantiveram a atividade. Eu quis cumprir tudo direitinho", assevera a bracarense, confidenciando que chegou a recorrer a "uma espécie de teletrabalho" para ajudar as clientes a tratar do cabelo em casa.
"Acho que nunca valorizaram tanto um cabeleireiro. As senhoras estavam desesperadas, porque fizeram experiências em casa para pintar o cabelo, por exemplo, e não correram bem. Mesmo confinadas, queriam sentir-se bem", conta Paula Freitas.
Com um espaço pequeno e sem funcionárias, vai manter as regras que já adotava antes de fechar portas, em janeiro. Ou seja, terá apenas duas clientes em simultâneo, o uso de máscara é obrigatório, há distanciamento entre cadeiras, a desinfeção do material é feita por utilização, o lixo para os equipamentos de proteção é diferenciado e os atendimentos só feitos por marcação. "Nem sei porque fechamos, porque temos todos os cuidados necessários", sublinha.
Estou com bastante medo do que aí vem
Quando os números da pandemia começaram a ficar críticos, em janeiro, Venâncio Oliveira, proprietário do Stand Oliveicar, em Cacia, Aveiro, previu logo que teria que fechar portas. Só não sabia que ia ser durante tanto tempo - dois meses - nem que não conseguiria, sequer, fazer vendas online. Segunda-feira reabre, "com bastante medo do que aí vem".
O stand, com três pisos de 350 m2 cada, tem que ser limpo, para reabrir ao público nas condições habituais. Mas só na segunda-feira é que Venâncio e as três pessoas que com ele trabalham vão colocar mãos à obra. "Não vou arriscar durante o fim de semana, que era o que nos dava jeito, porque este confinamento foi muito violento ao nível da caça à multa. Não podem, sequer, ver-nos no stand. Soube de colegas que foram multados em mais de 4000 euros", conta Venâncio.
Essa proibição de permanência no local de trabalho impediu-o, por exemplo, de fazer algumas vendas que se poderiam ter concretizado online. "Tivemos sempre os automóveis à venda na Internet, mas se é um carro em segunda mão, o cliente quer vê-lo pessoalmente. No confinamento do ano passado, podíamos mostrá-lo. Neste, não", explica o empresário. Por isso, apesar de alguma - "pouca" - procura, "principalmente por parte de estrangeiros", não fez negócios.
A renda do espaço e os ordenados continuaram a ser pagos, nos últimos dois meses, "com o pé de meia" que Venâncio tinha feito, mas que "não aguentava muito mais tempo". Não aderiu ao "lay-off", por não prever que teria que estar encerrado tanto tempo. Mas lamenta "que o setor automóvel tenha ficado esquecido". "Ainda não percebo porque é que tive que estar fechado, com um espaço tão grande, quando vi tantas atrocidades nos hipermercados. Tenho medo do que aí vem. Porque, para piorar, temos obras à porta que vão demorar e só passam carros num sentido", realça.
Vendendo bebidas vende-se logo um bolo a seguir
Os clientes da pastelaria Baga Baga, no Largo da Graça, em Lisboa, desesperam por um café, desde que este estabelecimento deixou de vender bebidas ao postigo há dois meses. "Queixam-se muito", diz o funcionário Júlio Santos. Uma realidade que muda a partir de segunda-feira e que leva o setor da restauração a respirar de alívio. "É ótimo, vendendo bebidas vende-se logo um bolo a seguir. Estou com boas expetativas, para a semana acredito que virá muito mais gente", acredita.
Habituados a atender centenas de clientes diariamente e a receber muitos turistas, os cafés do bairro da Graça sofreram muito com a covid-19. "Temos quebras muito grandes, de 80%. A perda dos turistas foi muito difícil, agora os clientes são mais moradores", conta Júlio Santos. O café, com mais de 20 anos, nunca fechou durante a pandemia. "Vendemos sempre em regime de takeaway ou ao postigo. Continuamos a vender os mesmos bolos ao postigo, mas em menor quantidade", explica.
Júlio espera agora ansioso pela reabertura dos cafés ao público. "O encerramento é muito mau para a restauração, acho que nunca deveríamos ter fechado. Desde que as pessoas entrassem com máscara era seguro", considera. Os clientes continuaram a pedir café nos últimos dois meses, mas o controlo diário da Polícia não dava margem para desafiar as restrições. "Andam sempre aqui...".
Ana Paula Silva, cliente, sente muito a falta do "cafezinho". "Combinava melhor com o bolo que levo hoje. Acho muito bem que voltem a vender. Costumo ir para o carro beber para evitar ajuntamentos", diz.
João Costa, funcionário do restaurante Botequim, também na Graça, está satisfeito com as novas medidas, mas lamenta que as esplanadas continuem proibidas. "As pessoas sentam-se nos bancos do jardim. Não faz sentido, pelo menos as esplanadas estão desinfetadas", argumenta.