Quando os salários encolhem e os impostos aumentam, o mais certo é que a procura interna caia (-2,5%). A aposta poderia estar na exportação, mas o IVA a 23% coloca em risco a competitividade das empresas. A procura externa relevante do país vai cair a pique.
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O cenário macroeconómico para o próximo ano apresenta traços aparentemente contraditórias. O Governo usa a expressão "consolidação orçamental" - quando quer basicamente dizer que há várias medidas para aumentar receita (impostos) e da despesa (cortes nos gastos do Estado) - para logo a seguir afirmar que a tábua de salvação reside nas exportações, que poderão crescer 7,3%, contra 8,6% em 2010.
Ou seja, o Governo assume que a procura interna (-2,5%) - consumo + investimento - e o consumo privado (-0,5%) vão quebrar. Este último indicador representa as despesas das famílias em bens de consumo tais como alimentos, vestuário, lazer, educação ou saúde (exclui bens duradouros). Dito de outra forma, não é por este lado que a economia vai crescer uns anémicos 0,2% no próximo ano.
O Banco de Portugal (BdP) prevê que as exportações cresçam só 3,7%, e que as importações caiam 0,7%, tendo agora o Governo alinhado com o BdP na projecção do PIB (previa em Julho 0,5%, corrigindo agora para 0,2%). A projecção internacional mais optimista para as exportações é da OCDE: +5,3% (contra 7,3% do Governo).
"Não acredito minimamente que a economia vá crescer, bem pelo contrário. As exportações até poderão aumentar, mas as importações também [Governo prevê queda de 1,7% e explica parte do aumento de 2010 com a compra dos dois submarinos] porque o aumento do IVA vai contribuir para a diminuição da competitividade das empresas portuguesas face a países que praticam taxas menores, com especial destaque para Espanha", afirma Pedro Santa-Clara, professor de Finanças da Universidade Nova de Lisboa.
"E se as importações aumentarem, isso subtrai ao PIB. Por outro lado, o aumento da fiscalidade vai fazer aumentar a economia paralela e o raio de influência das empresas espanholas vai passar de 50 para 100 kms em torno da fronteira. As empresas nacionais vão ter muitas dificuldades, uma vez que também não houve uma redução dos custos do trabalho, nomeadamente através das contribuições para a Segurança Social", acrescenta Pedro Santa-Clara.
O Governo prevê-se para 2011 uma desaceleração significativa da procura externa relevante para Portugal (países que nos compram mais produtos e serviços) - de 6 para 3,2% - e um aumento das taxas de juro de curto prazo (negativo para as empresas). O Executivo projecta um ligeiro aumento do preço do petróleo (combustíveis aumentarão por esta via e pela aplicação dos 23% da taxa de IVA), a depreciação do euro face ao dólar e o aumento da inflação.
O aumento exportações tem sido superior à evolução da procura externa relevante, o que significa que o país tem conseguido obter ganhos em quota de mercado. E a esperança para 2011 reside neste facto.