Demasiado tempo para aprovar projetos e falta de informação foram os principais problemas identificados pelos empresários da diáspora que se reuniram em Fátima durante dois dias. Deixaram o aviso de que estes obstáculos podem desviar "milhões" do país.
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A burocracia foi o principal entrave apontado por emigrantes e lusodescendentes que investiram em Portugal, durante os Encontros do Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID), que decorreu de 15 a 17 de dezembro, em Fátima. Com uma forte ligação ao país, onde criaram negócios nos seus territórios de origem ou dos pais, identificaram como principais problemas o tempo de aprovação dos projetos e a falta de informação. Obstáculos que a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, terá em consideração, já que, na sessão de abertura, pediu para que se identifique onde é possível "fazer melhor".
Emigrante nos EUA há 25 anos, onde tem várias empresas nos arredores de Nova Iorque, Isulino Marçal abriu um hotel de cinco estrelas, numa área com 30 hectares, em Chaves, com apoio do Portugal 2020. Mas até abrir as portas teve de esperar três anos e meio, porque o primeiro projeto foi rejeitado. "Foi muito stressante. Nos EUA, estamos habituados a que as coisas corram muito rápido", explicou. "Falta um departamento ou um escritório em Portugal que esclareça o que é possível fazer."
"Se se passa essa palavra negativa lá para fora, é mais difícil atrair investimento", avisou Isulino Marçal, que escolheu o interior para abrir a unidade hoteleira Pedra Pura. O emigrante disse conhecer outros empresários norte-americanos e de países nórdicos que "têm muitos milhões" para criar negócios "em grande escala" em Portugal, mas teme que a burocracia seja um obstáculo.
Mente aberta
Tim Vieira, da BraveGeneration, confirmou que há muitas pessoas que pretendem investir em Portugal e que desistem devido à burocracia. "Há muitas oportunidades. Vemos, queremos avançar, criar riqueza, pagar salários e impostos e, às vezes, é um bocadinho difícil", afirmou o empresário, filho de emigrantes nos EUA, a quem coube proferir o "discurso de inspiração" do painel "Ideias e negócios: apresentação de novos investimentos da diáspora".
"Portugal merece ter uma visão e pessoas a fazer acontecer. Se não fizermos isso, o dinheiro pode ir para qualquer lugar do Mundo", sublinhou Tim Vieira. Aos investidores, aconselhou "mente aberta". "A cultura é diferente, as velocidades são diferentes, mas não podem aceitar tudo", sublinhou. "Sejam positivos e fujam dos que não são. Sejam realistas, sejam duros e sejam gratos pelo que funciona, pelo que é bom, pela segurança e pela hospitalidade."
Neste painel, 20 investidores da diáspora apresentaram os negócios criados em Portugal a uma "banca de interessados", constituída por empresários emigrantes ou lusodescendentes com carreiras consolidadas. Carolina Rendeiro, luso-americana, da Connect2Global, detentora de sete startups, foi uma das que manifestaram interesse em apoiar um investimento na vila da Murtosa, Aveiro, com a qual a norte-americana tem laços familiares. Mais concretamente, o alojamento local See U in Torreira, apresentado por Idalete Dias, sul-africana, lusodescendente.
Interior é "território de oportunidades"
No segundo dia da iniciativa, num debate que juntou representantes das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e empreendedores, houve consenso em torno da ideia de que o Interior é "um território de oportunidades". Há, no entanto, que incorporar valor e inovação aos produtos endógenos, sem esquecer as tecnologias e o alargamento da rede de larga, apontado como"fundamental" para estes territórios.
"Mais importante do que ter boas vias rodoviárias, é criar em cada cidade, vila ou aldeia condições de conectividade para empresas e pessoas desenvolveram as suas atividades", defendeu Jorge Brandão, em representação da CCDRC, considerando este um fator "fundamental" para atrair pessoas e investidores ao interior.
Foi esse o caso de Hugo Neves, que depois de vários anos a viver no estrangeiro, regressou a Mirandela onde fundou a Enline, empresa especializada em software para sistemas de energia, que emprega 40 pessoas em Portugal, Alemanha, Brasil e Peru. "Faz-se um enorme drama do interior, quando estamos a menos de 150 quilómetros da costa e podemos interagir com o Mundo inteiro", salientou.
Também Hugo Nobre, formado em marketing na Universidade da Beira Interior, olha para estes territórios não como "uma fatalidade", mas como "uma oportunidade de trabalhar para o Mundo e de capacitar" as regiões, dando como exemplo a sua própria empresa, a WD Retail, que, a partir da Covilhã, produz soluções tecnológicas para Espanha e países nórdicos. "Interior já não é sinónimo de viver atrás das pedras. É também conhecimento e produtos únicos", reforçou Rodolfo Queirós, presidente da Comissão Vitivinícola da Beira Interior.
Fazer queijo virtualmente
Unir a inovação e a tecnologia a produtos tradicionais constitui, no entender de Joaquim Lé de Matos, presidente da Cooperativa de Produtores de Queijo Serra da Estrela, um caminho "obrigatório" para estes territórios. O dirigente deu como exemplo o projeto de realidade virtual que está a ser desenvolvido com este queijo e que permitirá ao visitante sentir os cheiros, os sons e o sabor associado ao produto, através de óculos de 3D, com o participante a poder também "por a mão na massa" e a fazer o seu próprio queijo. Ainda em fase de projeto, o Abrigo Queijo da Serra da Estrela será criado em Gouveia e representará um investimento na "ordem dos 800 mil euros".