"Cancelamentos vão continuar até meados de agosto", diz presidente executiva da TAP
Christine Ourmières-Widener, presidente executiva da TAP Air Portugal, está convencida que o caos em que o Aeroporto de Lisboa mergulhou e, em que a TAP é a que mais cancela voos devido a esta situação, deverá durar, pelo menos até meados de agosto, mas com tendência para melhorar.
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Em entrevista ao JN, a gestora francesa de Avinhão (57 anos) diz também que gostaria de aumentar as rotas no Aeroporto do Porto, mas que tal não será possível devido às restrições do plano de reestruturação aprovado por Bruxelas.
A TAP já retomou todos os voos que tinha para o Brasil antes da pandemia?
Sim. Atualmente, temos onze destinos a partir de Lisboa e dois destinos diretos do Porto. Tínhamos isto planeado para este verão e esperamos continuar. O último destino a recomeçar após a crise pandémica foi Lisboa-Porto Alegre. Como todos sabem, o Brasil é um mercado importante para nós.
A frequência semanal que agora vai ser inaugurada é uma resposta às críticas de desinvestimento da TAP no Porto?
Não. Amanhã [hoje] vamos iniciar uma nova frequência semanal entre o Porto e São Paulo. É uma frequência adicional e está absolutamente correlacionada com o bom desempenho da rota. Gostaríamos de reforçar com novas rotas, mas devido ao nosso plano de reestruturação, temos um número limitado de aeronaves. O plano de reestruturação obriga-nos a um corte no número de aeronaves que podemos voar por ano. Estamos a fazer o possível para garantir essa capacidade. Definitivamente, Porto-São Paulo é uma rota fantástica. É por isso que decidimos aumentar a frequência neste verão. Ao todo, a partir do Porto, a TAP voa com 140 frequências semanais para 11 destinos e, claro, é algo que gostaríamos de ver crescer no futuro, mas hoje estas são as rotas que podemos voar no sentido de conseguir otimizar a operação financeira da TAP.
Há alguma hipótese de antecipar o plano de reestruturação de forma a ter mais aviões?
Na verdade, o plano foi aprovado em dezembro do ano passado [por Bruxelas]. Não estou a ver que até 2025 consigamos outras condições. Temos um "Key Performance Indicator", [ferramenta de gestão empregada para analisar os indicadores mais importantes de um negócio ou empresa] muito restrito. Sendo a prioridade a saúde financeira da TAP, estamos a cumprir o plano, como a entrega de "slots" à Easyjet em Lisboa.
Além desta nova frequência, a TAP prevê abrir mais rotas a partir do Porto?
Não neste verão. E o inverno não é a melhor época para abrir rotas. Não vamos abrir mais destinos a partir do Porto proximamente. Estamos a olhar para o próximo verão e ver o que podemos fazer, uma vez que estamos a tentar melhorar nossa frota.
Como olha para as críticas de que, tendo a TAP recebido ajuda estatal, deve também investir em outros aeroportos que não só Lisboa?
Honestamente, é muito difícil para a TAP satisfazer todos, quando temos um plano de reestruturação em curso. A TAP tem que dar resposta em Lisboa porque é o nosso "hub". Quando há limitações e queremos que a empresa seja sustentável, temos de investir no que é melhor para a TAP. É por isso que mantemos a nossa presença no Porto. Talvez não seja o nível que muitos gostariam, mas é a nossa forma de otimizarmos a nossa frota.
A TAP continua a cancelar voos em Lisboa e no Porto devido à falta de pessoal e aos constrangimentos nos aeroportos europeus. Tem alguma previsão de que a situação vá melhorar?
É um problema muito difícil para todas as companhias aéreas da Europa. Não só em Portugal. Quando se olha para outros países, como a Holanda, a Alemanha, os países escandinavos ou no Reino Unido, vemos que está a acontecer o mesmo ou pior. Todos estão apertados porque a procura voltou a crescer. A TAP enfrenta dificuldades por dois motivos principais: o sistema de navegação no Aeroporto de Lisboa [que está cheio] e problemas com o "handling". Não temos os mesmos constrangimentos no Porto porque o aeroporto é muito diferente. Temos trabalhado com todos para resolver o problema. A NAV [controladora do tráfego aéreo] está a tentar um novo acordo com o Ministério da Defesa. Na assistência em terra, a Groundforce tomou algumas medidas para reter e recrutar mais pessoas. A TAP está a recrutar mais tripulantes de cabina. A nossa previsão é de que de julho a meados de agosto continue a haver problemas de cancelamentos. Esperamos que em meados de agosto esteja mais estabilizado.
O que está a TAP a fazer para melhorar o serviço?
O serviço prestado numa companhia aérea é complexo. Todos os pontos de contacto terminam ou começam no call center. Por isso, estamos a reforçar este serviço. isto é muito importante porque o nosso cliente quer poder contactar-nos, não só digitalmente, mas também telefonar-nos. Fizemos grandes melhorias. Está perfeito agora? Não, mas ainda estamos a recrutar. Além disso, investimos nos "lounges" para classe executiva para entregar um serviço que os clientes merecem. O que temos agora, não é o que queremos no futuro. Também alterámos alguns processos nos reembolsos.
Com tantos voos cancelados, que impacto terá esta situação nas contas da TAP deste ano?
Sim, vai ter. Quando se cancela um voo, temos de pagar compensações e cumprir os regulamentos europeus. Isto não é bom para nenhuma companhia, porque tem impacto na reputação, na imagem, na fidelização do cliente... Cancelar voos não é algo que se faz porque se planeou. Queremos evitar tanto quanto possível. Recalculamos regularmente os impactos deste tipo de situações, mas não será esta a razão para nos desviarmos do nosso objetivo. Está de acordo com o nosso plano.
Sendo a TAP uma das mais beneficiadas com a decisão de um novo aeroporto em Lisboa, qual seria para a companhia aérea a melhor solução?
Para nós é fácil. Congratulamo-nos com qualquer decisão. A nós só nos interessa saber como vamos trabalhar. A TAP só tem de saber da decisão para preparar as equipas, para preparar a nossa estratégia, a nossa perspetiva de longo prazo. Quando soubermos para onde vamos, podemos definitivamente preparar-nos. Temos um plano até 2025, mas precisamos saber para além disso.
No seu plano para 2025, apenas a Portela é considerada...
Sim. No plano não está consagrado a possibilidade de um novo aeroporto. A Portela é um aeroporto congestionado e por isso tivemos que devolver "slots" em troca do auxílio estatal e de cortes na frota. Se o ecossistema do aeroporto pudesse mudar em algum momento, poderia mudar o plano.
Receia que, após o verão, os pilotos voltem a anunciar greve? As negociações vão continuar?
Espero que não. Eu não estaria aqui se não tentasse acordos. Ainda hoje [ontem], vou encontrar-me com os pilotos no Porto. Vamos ter o tempo que seja necessário para encontrar soluções para evitar qualquer coisa que possa ser difícil para a empresa.
Qual é a proposta da TAP para os sindicatos?
Aumentámos em 10% os salários dos pilotos no período de junho. Só foi possível porque, na verdade, vamos voar em 2022 o que estava planeado em 2023. No fundo, recuperámos um ano. Estamos a debater com os sindicatos de forma a garantir que chegamos a um acordo. O que espero é que haja uma evolução no relacionamento em que seja possível negociar um contrato de trabalho para uma companhia aérea diferente com perspetivas diferentes, talvez estratégias diferentes.
De que forma o preço do combustível está a impactar a TAP. Estão já a passar estes custos para os preços dos bilhetes?
O preço do combustível está a impactar significativamente todas as companhias aéreas. Na TAP, o impacto será superior a 300 milhões de euros. Estamos a mitigar esse impacto com nossa política de compra antecipada, mas o resto terá de ser compensado com algumas reduções de custos e aumento das sobretaxas, mantendo a mesma estrutura da tarifa.
PERFIL
A francesa que ganhou asas
A presidente da comissão executiva da TAP é engenheira aeronáutica de formação e gestora internacional com vasta experiência no setor da aviação. Foi CEO do Flybe Group, a maior companhia aérea regional da Europa, e da CityJet durante cinco anos antes de assumir as funções na TAP. Trabalhou também durante mais de duas décadas no Grupo Air France-KLM. Possui um Master of Arts da ESSEC Business School e uma pós-graduação da École Nationale Supérieure de Mécanique et d"Aérotechnique.