Banco de Portugal quer obrigar empresas a disponibilizar, a par do numerário, pelo menos, um meio de pagamento eletrónico, mas comerciantes alertam para custos do serviço.
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A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) alertou para a necessidade de serem "asseguradas algumas situações de exceção", sob pena de penalizar os comerciantes, caso o Banco de Portugal (BdP) venha a decidir-se por uma alteração legislativa que imponha a obrigação de as empresas aceitarem, juntamente com o numerário, pelo menos, um meio de pagamento eletrónico, medida que consta da Estratégia Nacional para os Pagamentos a Retalho 2025, apresentada, na segunda-feira, pelo regulador.
As reações não ficam por aqui. Contactado pelo "Dinheiro Vivo", o presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Joel Azevedo, recordou que a disponibilização de instrumentos de pagamento eletrónicos "têm sempre um impacto financeiro para os lojistas, por mais pequeno que seja". "Hoje, os meios de pagamento eletrónicos estão ao dispor dos clientes em grande parte do comércio, até por uma questão de necessidade dos utilizadores, mas para passarem a ser uma obrigatoriedade tem de se criar um sistema que seja gratuito. Só assim é possível."
Não descurando as "imensas vantagens" dos pagamentos digitalizados - como, por exemplo, os consumidores poderem aceder aos seus pedidos de forma facilitada -, o presidente associativo recordou a perda de rendimento efetivo dos mesmos, em detrimento das transações a dinheiro, já que essas dispensam o aluguer de equipamentos, como terminais de pagamento automático e comissões por cada operação. Para passar a ser regra, apontou o responsável, "o Banco de Portugal terá de estar preocupado em encontrar uma forma gratuita" de o fazer -, "caso contrário, parece-me que é uma tentativa de abuso impor essa medida, que certamente criará dificuldades, já que obriga qualquer comerciante a ter um outro meio de pagamento que acarreta custos", concluiu.
Carla Salsinha, presidente da União de Associações do Comércio e Serviços da Região de Lisboa e Vale do Tejo (UACS), partilha o mesmo posicionamento e diz ver "com muita apreensão esta ideia de imposição", até porque em causa está uma questão básica: os custos que implica para o comércio, que são o principal motivo para muitas empresas não disponibilizarem meios de pagamento eletrónicos.
"Conseguimos perceber a ideia do Banco de Portugal de cada vez menos haver a circulação de dinheiro físico e mais virtual, mas há que ter em conta que nem todas as empresas têm essa capacidade ou tampouco poderão assumi-la pelo tipo de negócios que desenvolvem. Temos de nos sentar e reduzir drasticamente as comissões pagas às entidades bancárias e parabancárias", referiu, dando um exemplo prático de que, se um lojista quiser devolver um terminal, a taxa a pagar pelo seu levantamento pode ir dos 100 aos 180 euros.
Transferência para o número de telemóvel
Entre as 30 linhas de ação definidas na Estratégia Nacional para os Pagamentos a Retalho 2025, encontram-se ainda outras como o alargamento do conjunto de soluções eletrónicas para pagamentos ao Estado realizados por cidadãos e empresas nacionais e estrangeiros, a dinamização de soluções de pagamento tap-to-phone e similares, o desenvolvimento de uma "ferramenta" que permite realizar transferências bancárias apenas através do número de telemóvel (como já existe para os aderentes do MbWay) e a criação de soluções de e-invoicing (faturas sem papel).
Contexto
O plano apresentado ontem pelo BdP foi elaborado pelo Fórum para os Sistemas de Pagamentos (FSP), uma estrutura consultiva do regulador que reúne os principais intervenientes nacionais na oferta e na procura de serviços de pagamento de retalho, e visa "contribuir para a disponibilização de soluções de pagamentos seguras, eficientes e inovadoras no mercado português", através de ações concretas em quatro pilares: proximidade e transparência, inovação e eficiência, segurança e usabilidade, e resiliência e sustentabilidade.
A proposta da estratégia esteve em consulta pública durante um mês (de 5 de junho a 5 de julho) e várias foram as entidades que se pronunciaram sobre aquela medida - entre elas, a CCP, com a referida posição. Do outro lado, enquanto a SIBS (dona do Multibanco) e a Associação Portuguesa de Bancos (APB) assinalaram a "importância" e urgência de tal alteração, a Associação Nacional de Instituições de Pagamento e Moeda Eletrónica (ANIPE), dedicada a prestar apoio na definição da legislação e regulação para o desenvolvimento do setor, questionou a legalidade e os meandros da ação.
"Dada a gratuitidade na utilização de efetivo e o nível de competências médio em termos de gestão do retalho português, forçar a contratação de um serviço privado num setor dominado por um conjunto de entidades relacionadas que detêm a esmagadora maioria de quota de mercado, poderá merecer algum questionamento relativamente à sua legalidade, além de que poderá colocar em causa a subsistência ou o cumprimento regulatório de determinados estabelecimentos, em zonas periféricas e despovoadas do país", pode ler-se no relatório.
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