De Norte a Sul do país, o comércio tradicional agoniza. Em época de Natal, as vendas estão muito longe de cumprir as expectativas e há quem diga que nem o ano passado foi tão mau. As queixas são transversais a Porto, Lisboa, Aveiro, Guimarães e Bragança, embora na Invicta haja comerciantes a admitir que a situação está melhor do que em 2020. Na capital, fala-se do "pior Natal de sempre".
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Em contagem decrescente para o dia de Natal, os comerciantes do Porto começam já a fazer contas quanto ao negócio realizado durante esta quadra, considerada uma das mais importantes do ano em termos de vendas. O aumento do número de turistas no Porto ajudará a explicar as vendas, que ainda assim não chegam aos números pré-pandemia. E deixam muitas estabelecimentos em sérias dificuldades, sem o Natal "salvador".
Ainda assim, o comércio tradicional mostra-se animado e só não se vendeu mais devido aos dias chuvosos desta última semana que afastaram os clientes para os abrigados centros comerciais. Mesmo assim, as vendas "são animadoras" e, apesar de a pandemia não dar mostras de acabar tão cedo, em alguns casos superam as expectativas. É o caso do centenário Bazar Paris, que está a superar as vendas conseguidas há dois anos.
"Está a decorrer dentro daquilo que é normal por alturas do Natal e em termos de procura está mesmo a superar 2019", explicou ao JN a proprietária Luísa Vilas Boas. É o bazar de brinquedos mais antigo do país e pela porta do estabelecimento, na Rua de Sá da Bandeira, entram várias gerações de clientes. "Sobretudo os mais velhos, porque as crianças querem levar tudo. E depois há a nostalgia, porque tanto os pais como os avós recordam os tempos de infância quando também estiveram aqui", acrescenta.
A loja é conhecida nesta altura pelas suas decorações de Natal, as bolas em vidro alemãs e austríacas pintadas à mão. Mas também os legos, os "peluches de qualidade" e restantes brinquedos "que não estão na televisão nem em nenhuma grande superfície".
Também a famosa casa de relojoaria Marcolino prima pela oferta exclusiva e pelo impacto que todos os anos tem a sua decoração natalícia da fachada da esquina das ruas de Passos Manuel e de Santa Catarina. "Vendemos sempre bem no Natal, mas curiosamente sobretudo a gama baixa dos nossos produtos", explica Bruno Rodrigues, responsável pelo marketing da loja. Empresários, desportistas e artistas podem sempre escolher o atendimento na sala VIP, existindo ofertas para todos os preços, dos 150 aos 15 mil euros.
Tradicionais por esta altura são a meias. Na Pedemeia chegam a ser vendidas por estes dias entre 400 a 500 pares. No interior da loja da Rua de Santa Catarina, a cliente Lídia Correia mostra-se indecisa perante a grande variedade de tamanhos, texturas e cores. "É sempre uma boa prenda de Natal", explica a funcionária Marisa Mesquita.
Há meias em fio de acácia, em lã marino, de fantasia e em turco. E para recém-nascidos packs de meias miniatura oferecidos em coloridas embalagens de ovos.
BRAGANÇA
O espírito natalício já andava em baixo no comércio tradicional de Bragança, emoção agravada pela chuva dos últimos dias, que não veio ajudar a levantar o moral, apesar de o centro histórico estar bem decorado e iluminado a preceito. As vendas estão em baixo e só há algum alívio ao fim-de-semana quando os espanhóis rumam a Bragança para aproveitar a pista de gelo da Cidade Natal, instalada na Praça Camões. "Nota-se uma quebra grande mesmo em relação ao ano passado que já não foi bom. As pessoas não vêm, não entram nas lojas, nem se vê gente na rua", desabafa Idalina Gomes, proprietária de uma loja de malas, sapatos e acessórios, que considera que "ninguém anda animado".
Idalina garante que este é dos piores natais de sempre e para o cenário mudar "só se os últimos dias forem fantásticos".
Do lado dos que andam às compras também não se sente a disposição de anos passados. "Só vou comprar o tradicional da quadra. Para já, só comprei o básico. Couves e outros legumes não compro porque mos dão", contou Eduarda Esteves, que faz compras numa pequena mercearia do centro.
Muitos comerciantes até preferem nem falar da crise e das más expectativas para o resultado da caixa nesta quadra, embora todos os anos se queixem.
"A cidade está muita parada. Há pouca gente na rua, mas tenho esperança que à última hora ainda venham comprar os chocolates. Para mim é o pior Natal em vendas, embora no ano passado nesta altura tivesse a loja fechada", sublinhou Isabel Morais, da loja de chocolates D. Caramelo.
"As vendas estão fracas. Acho que está tudo relacionado com a covid-19, muita gente afetada e sem dinheiro. Ao fim da tarde e aos fins-de-semana ainda aparecem alguns espanhóis e como estou aqui em frente à pista de gelo aproveitam para comprar mel, nozes, pão tradicional e hortícolas", referiu Nair Beatriz, da mercearia Nair.
O Município de Bragança manteve a Cidade Natal, atividade que no ano passado foi suspensa devido à pandemia. A pista de gelo, os carrosséis e os concertos são motivos que levam muita gente para esta zona ao final da tarde e ao fim-de-semana, mas os lojistas garantem que compram pouco.
GUIMARÃES
A Rua da Rainha, em Guimarães, liga o Largo do Toural ao Largo da Oliveira, dois dos pontos mais icónicos do centro da cidade. Mas centralidade já não é uma garantia para o sucesso do negócio, diz Júlio Castro, alfarrabista com porta aberta naquela rua há 25 anos. "Mesmo nas horas de maior movimento não há ninguém na rua. A partir das 16.30 horas, quando começa a escurecer, não se vê mais ninguém", comenta. Júlio vê a pandemia como um problema que se veio somar a outro que "já cá estava" e que se traduz no afastamento das pessoas do centro da cidade. E o Natal de 2021 volta a ser sinónimo de desilusão.
O maior clube da cidade, o Vitória, tinha loja na Rua da Rainha, mas acabou de fecha-la, ao mesmo tempo que abriu mais uma num centro comercial. Agora, para comprar os produtos da marca, só no estádio ou nas grandes superfícies.
Rosana Carvalho, da Casa dos Santos, reconhece que sem turistas não é possível alcançar o volume de vendas anterior à pandemia. "Por esta altura já não tinha meninos Jesus, presépios e outros artigos relacionados com o Natal. Este ano está tudo aí nas prateleiras", lamenta. O estabelecimento vende artigos religiosos e existe há 76 anos. Rosana não tem dúvidas que este Natal e o do ano anterior foram os piores de sempre. "Estamos muito abaixo dos 50%", avalia.
A falta dos turistas é uma queixa transversal. Sérgio Carvalho, proprietário da Filigrana com História, afirma que os visitantes representavam 75% da faturação. Júlio Castro vendia muitos clássicos portugueses, principalmente Fernando Pessoa, aos turistas brasileiros e espanhóis que também eram bons clientes da Casa dos Santos.
O proprietário da Casa das Novidades resume o estado do negócio: "Em condições normais, nesta altura do ano, a casa estaria cheia e nós não podíamos ter esta conversa".
"Mesmo nas horas de maior movimento não há ninguém na rua. A Câmara tem que fazer alguma coisa para evitar esta desertificação. Há 25 anos isto era uma rua com vida", insiste Júlio Castro.
"Este é um Natal muito idêntico ao do ano passado, continuamos muito longe dos valores pré-pandemia. Faltam os brasileiros, os americanos e os asiáticos que viajam nesta altura", observou, por sua vez, Maria de Lurdes Lopes, da Surprise Me Now.
AVEIRO
Há uma profusão de brinquedos e decorações natalícias que cativam mal se entra na Arca dos Sonhos, a loja no centro da cidade de Aveiro que permitiu à tradutora Sofia Nogueira aventurar-se no mundo do comércio há meia dúzia de anos. Este Natal, diz, "está a ser pior do que o de 2019, mas melhor do que o de 2020".
Sofia considera que "faz falta mais animação para atrair pessoas às ruas" e ajudar às vendas. "Não temos o Quebramar Xmas club, a pista de gelo, barraquinhas e exposições que se realizavam antes da pandemia e ajudavam a criar outro espírito".
No Encanto da Lua, a loja de têxteis de Alexandra Santos, as queixas são similares. A "culpa", aponta, é "da pandemia, do aumento das compras online, da falta de animação, das obras que decorrem na Avenida Lourenço Peixinho que dificultam os acessos e da reestruturação do Centro Comercial Glicínias", que levou à abertura de mais lojas e roubou clientes.
"Vende-se alguma coisa, mas não é o esperado para a época. Este ano não há animação e eventos aqui perto e este cantinho fica esquecido", sustenta Alexandra Santos.
Na Avenida Lourenço Peixinho, a sapataria Esse, que Sebastião Saraiva gere, já tem na montra a indicação de "promoções", mas ainda assim está vazia. "Não cheira a Natal e já não recuperamos este ano", desabafa.
"As vendas estão muito fracas este ano e isso obriga a fazer promoções. Mas, mesmo assim, as lojas estão vazias", lamenta o comerciante Sebastião Saraiva.
Jorge Silva, presidente da Associação Comercial de Aveiro, conta que "os primeiros 15 dias de dezembro foram muito fracos". "Recebemos queixas de todo o lado", assinala. Na última semana sentiu-se um "incremento, mas nada de estonteante". Jorge Silva diz que não nota mais solidariedade em relação ao comércio local. "O comprador é pragmático, pensa muito com a carteira", explica.
LISBOA
Isabel Vicente, funcionária de uma loja de roupa de marca situada na Avenida Guerra Junqueiro em Lisboa, trabalha há trinta anos nesta área e não tem dúvidas: "Este Natal foi o pior de sempre". "Desde que começaram a anunciar o aumento dos casos de covid-19 a meio do mês foi um fiasco. É como se estivesse fechada, não entra ninguém", lamenta. A lojista tem muitas clientes assíduas, principalmente profissionais de saúde, que "deixaram de aparecer". "Estão exaustas da pandemia e sem paciência para vir", desabafa.
Sandra Pires sente o mesmo. "Está muito fraco. Quem vem compra pouco, reduzimos vendas quase para metade", diz a funcionária da Isaura Florista by Kefrô, que no ano passado vendeu mais por esta altura. Elisabete Silva, a trabalhar há 25 anos na ourivesaria Jade, nota "menos pessoas a entrar na loja", mas mais encomendas. "Ajudam um bocadinho, mas está mau na mesma", admite. Carla Mota, funcionária de uma loja de doces, diz que "os dias de chuva não têm ajudado".
"As pessoas andam menos na rua e como os nossos clientes são mais idosos têm mais receio de sair". A lojista, ali há 28 anos, sentiu ainda "uma redução dos artigos enviados pelos fornecedores por causa do fecho de algumas fábricas".
Rubina Gouveia, de uma loja de artigos de decoração, nota a falta de clientes que trabalham na zona e voltaram ao teletrabalho. "Já vieram despedir-se esta semana". Ainda assim, ao contrário da maioria, aqui este ano correu melhor. "Já ultrapassamos as vendas do ano passado".