Contabilista identificou quatro pessoas que sabiam da ocultação das contas da ESI
No depoimento que Machado da Cruz fez, a 28 de março de 2014, num escritório de advogados do Luxemburgo, o "commissaire aux comptes" da Espírito Santo International (ESI) identificou quatro pessoas que sabiam da ocultação das contas.
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Além de José Castella, "controller" do GES e seu superior hierárquico, também Ricardo Salgado e outros dois membros do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (GES) - José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo - sabiam que a dívida era escondida, "mas não sabiam qual era o montante".
A confirmação foi feita, esta quinta-feira, na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES/GES por João Martins Pereira, ex-responsável pelo departamento de "compliance" do BES, que foi convidado por Ricardo Salgado para participar na reestruturação da ESI, já depois de ter sido informado, em novembro, numa reunião com Machado da Cruz, da situação financeira da empresa. "Cheguei à conclusão, nesse dia, que a ESI não tinha contas consolidadas, nem auditadas, que não tinha auditoria externa. Logo à partida deveria ser uma incorreção, face ao normativo luxemburguês", disse aos deputados, que o ouviram durante cerca de cinco horas.
Na altura, "não foi dada nenhuma explicação concreta" para a ocultação do passivo de 1,3 mil milhões de euros. E Martins Pereira acreditou que "possivelmente seria um erro contabilístico", versão que diz ter ouvido de Machado da Cruz até ao depoimento a que assistiu no Luxemburgo.
Nesse depoimento, o contabilista disse que, afinal, a ocultação do passivo era do conhecimento de mais pessoas e, na audição que teve à porta fechada no Parlamento, foi mais longe e garantiu que o fez por "lealdade e obediência" ao presidente do BES.
Questionado pelos deputados, Martins Pereira diz que nunca ouviu essa versão. "Eu não ouvi o doutor Machado da Cruz dizer 'a, b ou c mandou-me fazer isto'. O que eu ouvi foi que a situação de a dívida não estar totalmente registada era do conhecimento de algumas pessoas", disse, citando os nomes, mas ressalvando que não esteve presente em todo o depoimento.
Martins Pereira confirmou uma reunião em casa de Salgado com Machado da Cruz, dois dias antes do depoimento no Luxemburgo, onde garante que aconselhou a contar "toda a verdade" aos advogados. "Mas qual das verdades?", perguntaram os deputados. "Eu não sei qual é a verdade. Eu não sou dono de nenhuma verdade, nem atribuo verdade ou mentira a quem quer que seja", disse. "Se as declarações do doutor Machado da Cruz correspondem exatamente à verdade, só ele poderá responder", respondeu.
Os deputados confrontaram-no com o facto de, até 2001, ter trabalhado na PriceWaterCooopers, auditora que nesse ano fez um relatório onde alertava já para a grave situação do BES, e ter depois transitado para o banco. "Ainda não consegui perceber que relação é que se faz entre uma coisa que aconteceu em 2001 e outra que aconteceu em 2013. Passaram 12 anos. Houve 12 anos de ações inspetivas por parte dos supervisores, analistas, agências de rating. Durante esses 12 anos alguma coisa aconteceu, ou deveria ter acontecido", disse, recusando "estabelecer a relação" entre essa transição e assumindo que é frequente haver profissionais que saltam das auditoras para a banca.