
Se o freixo de Freixo de Espada à Cinta pudesse ir às suas entranhas, que por acaso já não tem, rebuscar memórias dos tempos, contaria histórias, brincadeiras, risos de crianças, dias repletos de vidas à sua volta. Nem precisava recuar os 500 anos que já ali leva, entre a igreja e a torre.
Bastaria até meados do século passado, quando ali contava mais de sete mil almas, o dobro das que restam.
Se aquele freixo falasse diria que anda triste. Como tristes passam os dias os idosos que procuram a sua sombra, ou a da igreja, ou a das casas à volta. Tristes os olhos de José Malha, Manuel Alves e António Madeira. Conversas desfiadas ao calhas. Como a dos figos com que ontem entretinham as horas das sestas que não dormiram. "Porque há cada vez menos e a chuvas que vieram deram cabo dos que medraram", justifica António, 79 anos. Nada como aqueles antigos que conhecem pelo termo em calão que se dá aos testículos de burro, que só de o pronunciar os faz arreganhar os dentes e rir com vontade. Malandros.
Estão os três alapados num banco pintado de branco de um lado da igreja. Do outro, duas mulheres e mais um homem. Todos para lá dos 70. Ali perto, um mulher de negro vestido, na soleira da porta, a serrar um sono furtado à cama ou a carpir a solidão. "Velhos. Aqui só já há velhos", protesta Malha, ele próprio sentindo-se como tal aos 75 anos, não obstante ser ainda o dono do sino da torre para tocar os sinais sempre que morre alguém. "Ele é que é o problema, pois leva-os todos para o cemitério", brinca Manuel, 74.
Na terra de Guerra Junqueiro os dias passam devagar. "À espera da morte", lamenta Manuel. "À espera da morte, não!", riposta Malha. "Estamos à espera que nos chamem para trabalhar, mas como já somos mandriões ninguém nos quer", completa, a desfrutar da ironia. O barbeiro Ernesto Sendim, 71 anos, chega a tempo de ouvir os lamentos dos seus três clientes. Não tem como discordar deles.
"É um facto triste", vinca o vice-presidente da Câmara, Artur Parra. Lastima o infortúnio da terra que ajuda a dirigir, com ruas "onde já quase só se veem idosos" e escolas com "cada vez menos alunos". "Os jovens estudam até ao 9.º ano e depois vão para outros concelhos e em muitos casos os pais vão atrás".
Nas aldeias ainda é pior. Quem não emigra vai viver para a vila, que tem mantido cerca de dois mil moradores. As últimas esperanças estão depositadas no turismo num concelho rico em cultura, património, paisagens e gastronomia.
