O projeto Cais Recicla não é uma mera narrativa teórica. Produz, transforma e, em simultâneo, tem devolvido a vida a pessoas sem bússola. A investida ainda exclusiva do Porto inventou 12 mil peças e angariou 20 mil euros.
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"A ideia surgiu da parceria que a Cais tem com a Unicer desde 2006", explica Cláudia Fernandes, coordenadora do centro Cais do Porto. Um dia, percebeu-se que se podia fazer um "casamento". O termo pertence a Cláudia Fernandes. "Foi-se evidenciando a mão de obra qualificada e parada que tínhamos na Cais e o excesso de desperdício que a Unicer também tinha. Uniram-se esforços e o projeto nasceu e cresceu, alargando-se a outras empresas.
Basicamente, parte dos restos fornecidos, pedaços de cartão, fios de lã, são reutilizados, a partir da inspiração e criatividade de designers. "Em três anos, foram produzidas cerca de 12 mil peças, equivalente a 20 mil euros", descreve Cláudia Fernandes. E tudo isto recorrendo a uma "equipa muito reduzida, mas apaixonada e feliz", explica. "Uma mão de obra que já passou por cerca de 12 pessoas, 10 designers e dois técnicos do centro Cais".
Muitas vezes, os produtos são vendidos depois pelas mesmas empresas que ofereceram o material, que fazem encomendas, de antemão, em grandes quantidades. "São vendidas diretamente às empresas ou em algumas lojas, como Loja da Casa da Música, Loja Museu Fernando Pessoa, em Feiras, Lx Factory", explica. "Optámos por não colocar as peças em muitos pontos de venda, porque a maior parte delas trabalha à consignação, estratégia que não é benéfica para este tipo de trabalho e modelo de negócio".
Manuela Gomes, 43 anos, readquiriu uma vida profissional envolvendo-se a tempo inteiro na Cais Recicla. Como já tinha gerido uma loja antes de perder o emprego e casa, conseguiu capitalizar ali as capacidades adormecidas.
Maria, nome fictício, que vivia numa casa a cair, aproveitou esta oportunidade para partilhar o que tão bem sabia fazer com as mãos, conta ainda Cláudia Fernandes. "Uma Maria fechada, vazia de participação, conseguiu readquirir um papel social, através desta sua participação". Resultado: "Hoje, vive numa casa arrendada, paga as suas contas e está a trabalhar. É feliz".
A Cais Recicla é mais um projeto da Associação Cais, que este ano comemora 20 anos, que visa reabilitar os excluídos. "O objetivo pleno é dar-lhes essa autonomia e integrá-los socialmente". Por isso, "criar e construir objetivos com as nossas pessoas é sinal de mudança, e esta mudança é sinal de autonomia. Ainda que possa não ser, para todas as pessoas, autonomia pela via do trabalho, é a reconquista do papel social, da dignidade da pessoa humana. O nosso trabalho é este", conclui.