Presidente da rede de inovadores sociais Eslider, entregou a Cavaco Silva um roteiro para transformar Portugal na "primeira nação de valor partilhado", onde o mais importante é o valor social criado e não quem o cria.
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Preside à maior rede europeia de líderes inovadores da Economia Social (a Eslider) e gostaria que Portugal fosse a primeira nação de valor partilhado, sem barreiras entre empresas e entidades sociais e em complemento do atual modelo de assistência aos mais vulneráveis. Na nova lógica, defende que o Estado deve definir objetivos e financiar quem os atingir. À sociedade cabe encontrar os melhores caminhos.
Em tempos de crise e menos Estado, a economia social está preparada para suprir as necessidades da sociedade?
O setor social sempre se adaptou, a primeira Misericórdia é de 1498, existe antes de o Estado existir. É flexível, está próximo da comunidade, conhece a fundo os problemas sociais, tem capacidade para encontrar respostas, é inovador. E tem feito um esforço de capacitação, modernização e profissionalização da gestão. Hoje conseguimos chegar a mais gente com menos recursos.
Quais são os principais problemas que ajuda a resolver?
O primeiro é o desemprego, já que as organizações acomodam muitas famílias; o segundo é a conciliação da vida profissional e familiar, com o apoio às crianças e idosos.
Como se relacionam hoje as entidades sociais, o Estado e as empresas?
A sociedade está muito espartilhada em três setores: o empresarial, cuja vocação é maximizar o lucro mas, em paralelo, sente a necessidade de apoiar as comunidades locais; o Estado, preocupado com ciclos políticos e, muitas vezes, incapaz de olhar para as franjas populacionais; e as instituições que tentam incluir os excluídos da economia de mercado ou são negligenciadas pelo Estado. Mas recentemente Michael Porter defendeu a noção de "valor partilhado": faz mais sentido integrar a responsabilidade social e a criação de valor na missão das empresas. Se uma empresa for capaz de gerar valor para a sociedade através da sua atividade principal, ganha vantagem competitiva, é mais eficiente.
Ou seja, integrar na mesma entidade os espíritos solidário e lucrativo. Não é um tabu, no setor social?
Se calhar é, mas não devia. Se as organizações casarem as duas dimensões vão criar valor social e valor económico. E o Estado não deve ter um papel controlador, mas definir as regras de equidade. Se queremos uma sociedade mais justa, temos que ter um padrão mínimo. Depois caberá às empresas encontrar a melhor forma de lá chegar. Os serviços sociais, os negócios sociais, devem ser mais flexíveis, para atingir um bem comum.
Defende também a ideia?
Sim. O mercado, por si só, não resolve todos os problemas mas, se dermos mais liberdade, vão aparecer soluções inovadoras. Dou um exemplo: o Reino Unido define objetivos e financia as organizações sociais por via de títulos de obrigação, mediante o impacto social que conseguem. Diz: "Queremos combater o isolamento dos idosos, encontrem a melhor solução e nós pagamos em função do impacto junto das pessoas".
Onde fica o lado da assistência que hoje existe?
É complementar. O Estado financia quem dá de comer a quem tem fome, quem dá abrigo aos sem-abrigo. Mas, em complemento, era bom estimular a inovação. A nossa filosofia é de pontes. Sabemos que não se vai mudar de um dia para o outro, temos de ir passo a passo. Há quem diga que tudo o que é económico é mau e tudo o que é social é bom. O nosso discurso não é de cisão, é de complementaridade.
Neste caminho, o Estado tem de saber quanto custa cada beneficiário de apoio social. Essa conta está feita?
O Estado tem de saber quanto custam os problemas sociais.
Depois é preciso avaliar o impacto social. Como?
Há vários modelos. A Fundação EDP usa o LBG (London Benchmarking Group), a Cases e o Montepio usam a metodologia Social Return on Investment (SROI), que avalia o custo de oportunidade para a sociedade, se a organização não existir.
E são precisas pessoas que agarrarem o desafio.
A Eslider tem mais de 70 membros, somos a maior rede dentro da rede europeia Euclides, temos mais do dobro dos membros do Reino Unido, a segunda maior. Temos inovadores a fazer coisas extraordinárias, com agendas alinhadas e vontade de transformar a realidade. Ainda há pouco encontramo-nos com o Presidente da República.
Que opinião teve sobre essa nova lógica de apoio social?
Vi-o muito satisfeito. Apresentamos-lhe um manifesto para tornar Portugal a primeira nação de valor partilhado, com medidas concretas. Uma é a criação da figura jurídica da empresa social, que tenha acesso a benefícios que só são dados a IPSS, como benefícios fiscais ou taxas mais baixas para a Segurança Social. "No Reino Unido, há limites aos lucros que estas empresas podem distribuir, para garantir que não há comportamentos oportunistas".
Porque o dinheiro entregue a uma associação nunca é recuperado, os dirigentes não são pagos, os associados podem mudar a direção...
Sim, por isso a empresa social deve estar na agenda.
O papel orientador do Estado é determinante ou o setor tem força anímica que o torna independente?
O Estado tem um peso significativo na vida das organizações, no financiamento, funcionamento, tem uma relação muito normativa. Muitas vezes até torna o setor mais rígido. Era bom aligeirar este peso, que as organizações se autonomizassem mais, encontrassem novas fontes de financiamento, novas soluções para os problemas de proximidade.
Apesar disso, o setor está a ganhar dinâmica?
Sim. Ainda há muito a fazer, mas todos os dias vejo sinais positivos.