Dois Anos de Pandemia: se queres vencer a pandemia, faz negócios de milhões com ela
Resolveram necessidades do Estado quando não havia EPI's para comprar na Europa e reconverteram-se para conquistar mercados novos em que a China não manda.
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Lourenço Rosa não dorme uma noite completa desde que a pandemia começou, há dois anos. De lá para cá, o CEO da empresa de brindes Enerre, de 44 anos, já fretou quase 100 aviões para ir buscar máscaras, luvas, álcool gel e autotestes à China. O primeiro avião significou "arriscar tudo, o que tinha e o que não tinha", correndo "o risco de o avião ser parado por um qualquer governo desesperado pela mercadoria". Como todos, na Europa e no Mundo. A covid-19 começava a disseminar-se e o pessoal de saúde exigia equipamentos de proteção individual (EPI's), que não chegavam para todos.
"Há 20 anos que vou à China fechar negócios. Foi isso que me deu a possibilidade de adquirir as máscaras que faltavam em todo o Mundo", recorda Lourenço Rosa. Foram dias frenéticos, "com pedidos de licenças especiais para fretar o avião. Não dormiu, continua a não dormir. "Pensei que ia ser só um avião, mas os negócios multiplicaram", explica.
A abundância de contratos da Enerre chegou a ser questionada no Parlamento, mas Lourenço Rosa não estremeceu. "É triste, dizem que enriqueci à conta da pandemia. Na nossa terra ainda dizem que fomos nós que trouxemos as máscaras para ajudar a salvar vidas, essa foi a intenção", comenta.
A empresa que empregava 60 pessoas em 2020 e faturava menos de cinco milhões de euros anuais, hoje tem um total de 80 funcionários e no ano passado faturou 80 milhões de euros, já com 50 milhões de euros de negócios este ano.
"Criei a Enerre Pharma, contratei mais 30 pessoas só para o material hospitalar e hoje somos o principal fornecedor de autotestes e máscaras aos hipermercados. Os autotestes estão sem procura e, para não ficarmos com eles, começámos a exportar para o Brasil", explica Lourenço Rosa. "Vendemos 140 milhões de euros desde o início da pandemia, mas também pagámos seis milhões de euros em impostos. A pandemia foi uma oportunidade, mas foi porque arrisquei tudo para ajudar o país", remata.
Olhar às necessidades
A pandemia também podia ter sido o fim da Planimolde, na Marinha Grande, que exportava toda a produção para o setor automóvel. Em março de 2020, o setor parou e a fábrica teve de suspender a produção. O fundador e diretor-geral hesitou em mandar 60 pessoas para"lay off" e preferiu olhar às necessidades emergentes na pandemia.
"Começámos por produzir viseiras e óculos, depois a minha filha [Ana Ferraz], que é formada em microbiologia, lembrou-se dos tubos para os testes covid", recorda Telmo Ferraz. Com certificação nos equipamentos e grande procura de tubos, conquistou Portugal e Espanha e tem França na mira.
A maioria da produção da Planimolde continua a ser exportada, mas já só 60% para o setor automóvel, que "continua por recuperar", prevendo-se que o volume de negócios deste ano chegue a 6 milhões de euros.
"Não é mais do que em 2019, mas é uma recuperação", explica Telmo Ferraz, que tem planos para aumentar a produção, chegar a novos mercados e "continuar a lutar diariamente por um futuro melhor". Em breve, exportará tanto como dantes, até porque "nos concursos públicos portugueses, valorizam o preço e não a produção nacional, o que é um contrassenso".
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Tribunal vigia
Desde 2020, o Tribunal de Contas vem acompanhando os contratos públicos feitos ao abrigo da legislação covid que permitiu mais ajustes diretos e de valores mais elevados. Após três relatórios no primeiro ano, avançou para auditorias no ano passado, em contratos selecionados, e deverá concluir trabalhos, este ano, com um relatório final.
Farmacêuticas
As principais farmacêuticas dos maiores montantes (só a Gilead vendeu mais de 20 milhões de euros, entre outubro e dezembro de 2020), ainda que a Meo tenha sido a campeã do último trimestre de 2020 (39,5 milhões de euros) pelo serviço de atendimento SNS 24. Os totais da pandemia estão por contabilizar.