Entrevista a Vera Eiró, presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos
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Cerca de 99% da água que correu nas torneiras dos portugueses que vivem no continente, em 2023, foi considerada “água segura” pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). No relatório sobre a qualidade da água para consumo humano é referido que este recurso se mantém num “patamar de excelência”. Em 1993 o indicador estava apenas nos 50%.
Que caminho foi percorrido para se chegar a este “patamar de excelência”?
A evolução resultou de uma reforma estrutural de todo o setor. Assentou na definição e atualização periódica de planos estratégicos, a criação de um setor empresarial do Estado com maior capacidade de gestão e a criação de um regulador setorial que harmonizou práticas e procedimentos. Foi também importante a mobilização de recursos financeiros, a crescente especialização dos recursos humanos e a sensibilização e consciencialização da população para as melhorias verificadas, que levaram a uma maior confiança na água da torneira.
Essas medidas também permitiram melhorar a cobertura?
Resultaram numa evolução bastante significativa de serviços praticamente universais. Temos 97% dos alojamentos em Portugal continental servidos com água para consumo humano, 86% com drenagem e tratamento adequado de águas residuais e 99% da água abastecida considerada segura e dentro dos mais exigentes padrões de qualidade. No que respeita à qualidade da água para consumo humano a evolução foi muito significativa. Podemos hoje afirmar que em qualquer local do país pode ser bebida água da torneira com confiança.
A adesão dos municípios a sistemas de fornecimento com maior escala, como a Águas do Douro e Paiva, ajudou a chegar a esses resultados?
Sim. Um dos fatores essenciais para o sucesso das políticas no setor da água nos últimos 30 anos teve a ver com a criação do Grupo Águas de Portugal e das suas empresas subsidiárias. Permitiram dotar o setor de maior escala e capacidade para a realização dos investimentos críticos para a melhoria destes serviços até aos padrões de qualidade que temos atualmente. A criação destes sistemas possibilitou a geração de um corpo técnico capacitado que motivou melhorias não só nos sistemas em alta, mas também a melhoria gradual dos sistemas municipais que se encontram a eles associados.
Em 2026, a ERSAR vai recuperar o poder de fixar as tarifas da água. O que vai mudar?
A ERSAR retoma a competência para fixar as tarifas dos sistemas multimunicipais de água (pertencentes ao grupo Águas de Portugal), tendo por base critérios de eficiência e garantia de qualidade do serviço prestado. Ao nível das tarifas em baixa (sistemas municipais) a competência de definição das tarifas mantém-se com os órgãos autárquicos, respeitando-se o núcleo essencial da autonomia local. À ERSAR caberá definir as regras que devem ser cumpridas por todas as entidades gestoras e fiscalizar o seu cumprimento, intervindo especificamente apenas nos casos em que se constate o incumprimento da lei.
Esta alteração poderá ser um meio para equilibrar tarifas?
Os preços praticados pelos municípios, serviços municipalizados e por empresas locais não devem ser inferiores aos custos direta e indiretamente suportados com a prestação desses serviços, em situação de eficiência produtiva. Nunca foi aprovado o regulamento tarifário a que a lei se refere, mas é evidente que a maioria das entidades não cumpre esta disposição da lei (aprovada em 2013). Com esta alteração o regulador retoma a competência de fiscalizar o cumprimento da lei, o que é essencial para a fazer cumprir.
Esta mudança tem sido criticada pelos municípios. Quer comentar?
Analisando de uma perspetiva técnica as alterações introduzidas é difícil compreender essas críticas. Aquilo que a legislação veio trazer foram três coisas que o setor necessita há muito em termos dos tarifários e que correspondem à versão inicial dos estatutos da ERSAR: regras mais claras, alguém que monitorize a aplicação dessas regras e alguém que fiscalize e apoie os municípios na sua implementação. A ERSAR estará sempre do lado das soluções.