Quarenta e um anos de mar. À pesca desde os 16. Aos 56 pediu a reforma, ao abrigo do regime especial de atividades de desgaste rápido. Contam-lhe 27 anos de serviço.
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O caso de José Guilherme Monte é um em largas centenas. Era tripulante da pesca costeira. Até 2011, os dias de trabalho para efeitos de reforma eram contabilizados com base nas descargas em lota. Uma descarga, três dias. Mas a Segurança Social (SS) não está a cumprir a regra e só está a contabilizar um dia. E José Guilherme não tem direito à reforma.
"É um roubo que está a ir ao bolso dos pescadores! Andamos há anos nisto e não se resolve o problema!", atira, indignado, Bernardino Faria, o presidente da Associação de Apoio aos Profissionais de Pesca (AAPP). "Se vou para o mar na sexta-feira e só regresso na segunda-feira a terra, só me contam um dia de trabalho? Estou matriculado na capitania o ano todo, não é só nos dias de descarga. A ser assim, vou andar a trabalhar até aos 70 anos!", explica José Guilherme. "Estou há 17 meses parado. Trabalhei toda a vida e, agora, são os meus três filhos que me estão a sustentar!", conta o pescador, os olhos cheios de água, a contrastar com o ar duro e rude de quem andou no mar.
O que diz a lei
A luta da AAPP começou em 2013. Por defeito, a SS fazia equivaler um dia de descarga a um dia de trabalho, até ao ano de 2011, contados com base nos dados enviados pela Docapesca e desrespeitando o estabelecido. A partir daí, as regras mudaram e passou a ser o contabilista de cada embarcação a enviar os dados relativos aos dias de trabalho à SS.
Desta forma, no período que antecede 2011, centenas de pescadores acabam por não atingir os 150 dias de trabalho anuais exigidos para efeitos de reforma. Resultado? Reformas negadas ou baixíssimas, calculadas com penalização. Para quem conhece a pesca, era, explica Bernardino Faria, "óbvio que as contas não podiam ser essas": "E quando se vai ao mar e não se pesca? E quando se vai largar redes? E os que ficam no mar dois e três dias? E quando se trabalha em terra nas redes ou na manutenção do barco?".
Em janeiro de 2018, depois de muita luta e muitas reuniões com ministro, secretária de Estado e diretores do Instituto da Segurança Social, a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, dava nota pública da "alegada" resolução do problema e enviava à AAPP a orientação interna dada a todos os centros distritais da SS para que fossem "uniformizados procedimentos" e considerados, no caso dos pescadores da pesca local e costeira, "três dias de trabalho por cada dia de venda em lota até um máximo de 30 dias por mês".
O Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) reconhece o problema: "As reivindicações transmitidas pela AAPP a respeito de diferentes processos têm sido devidamente analisadas pelos centros distritais, que procedem às necessárias correções sempre que tal se justifique".
Com a integração, em 1992, da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais da Pesca na Segurança Social, "a informação constante no sistema de informação é tida como boa, a menos que os interessados logrem demonstrar que assim não é". Mas, explica Bernardino Faria, a verdade é que passou mais de um ano e "os erros continuam" e "são às largas centenas". José Guilherme é o exemplo disso. Segunda tentativa. Reforma novamente negada.