São minúsculos, mas poderosos. Podem ter menos de um milímetro, mas ameaçam estragar o Natal, pelo menos a parte consumista da celebração, a milhões de pessoas no Mundo. São os semicondutores, componentes eletrónicos que estão em quase tudo na nossa vida atual.
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A crise no mercado de semicondutores, componentes minúsculos que permitem aos aparelhos eletrónicos processar dados, está a causar fortes constrangimentos na economia mundial, deixando fábricas de automóveis em pára-arranca. Ameaça também a produção de telemóveis e de uma miríade de aparelhos eletrónicos que fazem parte da nossa vida, incluindo muitos dos brinquedos mais modernos. E vai ter impacto nos preços.
A pandemia de covid-19 no início de 2020 provocou um aumento na procura de aparelhos eletrónicos - computadores, portáteis, monitores extra para o teletrabalho ou apenas novos e maiores televisores para fazer face aos confinamentos. Todos estes aparelhos, como tantos outros hoje que são parte do nosso dia a dia, não funcionam sem semicondutores.
O aumento da procura por aparelhos eletrónicos, numa altura em que muitas das fábricas de produção de semicondutores também fecharam, por força da pandemia, levou a uma rutura de stocks que, mais de um ano volvido, continua a provocar danos.
"As cadeias de venda de semicondutores foram, de certa forma, surpreendidas pela pandemia", observou o diretor-geral da Mixcomm, Mike Noonen. "Não contavam que a pandemia levasse a um aumento tão forte da venda de computadores, tablets, etc", acrescentou em declarações à revista "Forbes", considerando que a crise atual "é uma aberração", não é o normal no ciclo tradicional dos semicondutores.
"Vivemos num mundo em que todas as indústrias funcionam à base de semicondutores ou dependem de semicondutores, Não há uma indústria que não seja influenciada pelos semicondutores", resumiu Noonen.
Os azares que agravaram a crise (e a política)
A crise pandémica não é o único fator a ter em conta. Há também imprevistos que tiveram um impacto substantivo nesta crise. Entre os imponderáveis, destaque para uma tempestade que paralisou várias fábricas de semicondutores nos EUA, no inverno de 2020. Do outro lado do planeta, um incêndio numa empresa de fabrico destes minúsculos mas poderosos componentes, no Japão, adensou o problema.
Em março, novo azar, quando um navio de 400 metros de comprimento, o Evergreen, encalhou no Canal do Suez e interrompeu as cadeias de fornecimento entre Europa e Ásia, deixando milhões de contentores à deriva na incerteza.
A política também jogou uma carta neste póquer global, em que ter "chips" é uma boa mão. E escondê-la é de valor. Foi o que fez a Huwaei, apanhada numa disputa política entre EUA e China, a empresa de telemóveis, e outros vários aparelhos eletrónicos, começou a açambarcar semicondutores quando percebeu que a querela sino-americana podia terminar, como terminou, com Washington a proibir as empresas nos "states" de venderem chips às chinesas.
Outras empresas perceberam as movimentações da Huawei, e como seres humanos em stresse com a hipótese de faltar o papel higiénico nos supermercados, engrossaram o movimento de açambarcamento. Quem não foi a tempo, ficou despido na crise que se arrasta ainda, quase dois anos após o início da pandemia, nos primeiros meses de 2020.
Produção de telemóveis e consolas ameaçada
A indústria dos telemóveis, da qual faz parte a Hawuei, foi das que melhor governou os stocks, conseguindo continuar a produzir enquanto outros setores estagnavam. Como os semicondutores não se reproduzem sozinhos, e foram sendo gastos ao longo destes meses, avizinham-se tempos de escassez na produção dos aparelhos que nos levam pela mão nos dias que correm.
O diretor-geral da Apple, Tim Cook, avisou que a fala de semicondutores pode vir a atingir a produção de iPhones e iPads. Segundo analistas ouvidos pelo jornal "Times of India", jornal daquele país na vanguarda da eletrónica, os produtores mais pequenos de telefones podem ser os mais afetados.
Para quem está a contar com um telemóvel novo no Natal, os semicondutores podem estragar a festa. Também a quem espera uma consola de jogos, seja a Playstation 5 ou a concorrente Xbox. Quem prefere computadores para jogos não pode ficar tranquilamente sentado na cadeira de "gamer", porque a crise afeta a produção de computadores e das potentes placas gráficas necessárias às aventuras de ecrã.
Setor automóvel em pára-arranca
A procura de componentes eletrónicos é muito elevada no setor automóvel, sobretudo para os veículos equipados com complexos sistemas eletrónicos, como ABS para "airbags" e ajuda no estacionamento, por exemplo.
No contexto de retoma da atividade após o levantamento das restrições sanitárias, os fabricantes de automóveis encontram-se em situações de concorrência com outras indústrias que precisam de chips - computadores e telemóveis que captam uma grande parte dos componentes fabricados e que ficam no continente asiático.
Marcas como a Ford, Toyota, que hoje anunciou uma redução de 15% na produção, Volvo ou a Volkswagen, cuja fábrica em Palmela já suspendeu a produção mais que uma vez, estão com dificuldades em produzir automóveis, com a quebra a fazer recuar a indústria para números de 1995.
"A escassez de semicondutores deixou a indústria automóvel em pára-arranca durante este ano", argumentou Thomas Goldsby, reitor da cadeira de Logística na Universidade do Tennessee, nos EUA, em declarações à revista "Forbes".
Um automóvel moderno pode ter entre 1500 a três mil semicondutores. "Os carros são cada vez mais dependentes dos semicondutores, que controlam e gerem o motor, questões de segurança, como o ABS, a navegação por GPS ou os sistemas de entretenimento", observou Thomas Goldsby.
Governos investem em fábricas, mas normalidade só em 2023
A necessidade aguça o engenho, assim como a procura estimula a oferta. Há governos de olhos no futuro que já meteram os pés ao caminho. O Senado dos EUA aprovou 52 mil milhões de dólares de subsídios (cerca de 45 mil milhões de euros) para a construção de fábricas de chips. A Coreia do Sul, que em maio dava passos para se agigantar no mercado dos semicondutores, anunciou 388 mil milhões de euros de investimento, quase o dobro da riqueza anual produzida em Portugal.
"Construir novas fábricas leva tempo, mais do que dois anos e meio, por isso a maior parte dos investimentos não vai ter efeito na produção antes de 2023", disse Ondrej Burkacky, especialista no mercado de semicondutores da consultora McKinsey.
No setor existe a convicção de que a crise poderá durar. "A situação vai melhorar durante o ano de 2022, mas não vai voltar ao normal antes de meados de 2023", disse o diretor geral da franco-italiana SMTicroletronics, Jean-Marc Chery, citado pela agência de notícias "Reuters", anunciando que as encomendas para o próximo ano superam a capacidade de produção da empresa.
Analistas estimam que a falta de semicondutores vai refletir-se nos preços. Além da escassez de produtos.