"Almofada" das moratórias e juros baixos estimularam novos contratos, inclusive com bancos a apresentarem melhores condições para o consumidor.
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Em vésperas do fim das moratórias públicas para as famílias, nunca tão poucos titulares de crédito estiveram em incumprimento, nem o valor de empréstimos vencidos - cerca de dois mil milhões de euros, em junho - era tão baixo desde 2006 (1 997 milhões de euros). O número de novos contratos mantém-se elevado, mas os sinais não são de compras impensadas: os bancos estão a propor aos clientes a reestruturação de dívidas, aproveitando os juros historicamente baixos para prevenir o impacto do fim das moratórias.
Seria preciso recuar a dezembro de 2006 para o montante de créditos vencidos ser tão baixo como em junho passado. Nunca, desde que o Banco de Portugal mantém registos, houve uma percentagem tão baixa de particulares com créditos vencidos (8,2%). E isto num cenário em que os novos contratos continuam a crescer, já em níveis pré-pandémicos e com valores também em níveis semelhantes a 2019.
O efeito das moratórias
A possibilidade de os portugueses terem começado a moderar-se no que toca a endividamento estará longe de explicar a redução dos níveis de incumprimento.
"Estando disponíveis apenas os valores até junho, o mais provável é ainda refletirem o efeito da "almofada" das moratórias: as privadas [crédito pessoal e outros] terminaram nesse mês e as públicas [crédito hipotecário, maioritariamente] só terminam em setembro", analisou Nuno Rico, economista da Deco. "Há um deferimento do incumprimento para os meses do final do ano", alertou.
No contacto com consumidores sobreendividados que procuram a Deco, Rico apercebeu-se, ainda, que "tem havido abertura dos bancos para renegociar créditos, inclusive a taxas mais baixas, para evitar o incumprimento". Ou seja, há uma transferência de dívida antiga, com juros e encargos mais elevados, para dívida nova (o que pode ajudar a explicar os valores de contratos novos) que beneficia dos juros historicamente baixos.
Novas avaliações de risco
Antes que, a 7 de agosto, entrasse em vigor a legislação que reforça a obrigação de os bancos prevenirem o incumprimento dos clientes e fazerem novas avaliações de risco antes do final das moratórias, a Associação Portuguesa de Bancos enviou aos associados uma orientação sobre as "boas práticas na relação dos bancos com particulares em situação de dificuldade financeira". Entre outras medidas, preconiza inquéritos junto dos clientes que tenham beneficiado das moratórias, para perceber de que forma o banco pode prestar assistência.
Contacto personalizado é o que a Caixa Geral de Depósitos tem estado a fazer, assegurou o presidente da comissão executiva, Paulo Macedo, na apresentação dos resultados semestrais, em julho. No BCP, o CEO Miguel Maya disse que só 9% dos clientes com créditos em moratória estão com dificuldades. No BPI, "99,2% das moratórias de crédito à habitação estavam em situação regular" no final de junho. Fonte do banco refere que não antecipam "um agravamento relevante em outubro".
"Face ao volume de clientes com moratórias, houve um esforço de reavaliação dos clientes. Nos casos que o justifiquem procuramos encontrar soluções e, com processos ágeis, servir os clientes", assegurou fonte do Santander, antecipando, todavia, um aumento do incumprimento em outubro.
Panorama
Empréstimos a subir
Ao todo, em junho, os particulares estavam a dever aos bancos cerca de 122,5 mil milhões de euros em empréstimos (mais do que os 122, 2 mil milhões de euros
de maio).
Habitação a descer
O total em dívida dos empréstimos à habitação está a descer, tendo totalizado 94,8 mil milhões de euros em junho (93,6 mil milhões de euros homólogos).
13 mil milhões
Em junho, 243 400 portugueses tinham em moratória créditos no valor de 37,5 mil milhões de euros. A maioria eram relativas a crédito à habitação (13 mil milhões de euros).