Agricultores de Vale de Vila tiveram de andar a mendigar comprador para a produção depois da habitual cliente os ter dispensado.
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Os 40 graus da tarde de terça-feira em Vale de Vila deram o mote para o recolhimento dos viticultores no Café do Gricho, o único daquela povoação de São João da Pesqueira, com vistas para o rio Douro. À volta, vislumbram-se vinhas que sob a canícula aguentam uvas que este ano hão de ser vendidas a “preços tão baixos que nem dá para pagar as despesas”.
O desabafo de Maximino Macedo, que, aos 58 anos de vida numa terra que vive da vinha, nunca julgou ter de “andar a fazer papel de pedinte e a bater a muitas portas para vender as uvas”. O desassossego chegou nos primeiros meses deste ano, quando a empresa a quem sempre as vendera lhe escreveu uma carta a dizer que não lhe queria as uvas. A ele e a mais umas boas dezenas de viticultores durienses.
Maximino produz dez a 12 pipas de vinho num ano normal, mas, este ano, pode nem ter tanto porque não fez os mesmos tratamentos. É que “se o vinho não dá dinheiro, não chega para tratar como deve ser”. Como se não bastasse, a redução do benefício nas duas últimas vindimas fez com que passasse de “sete para três” a quantidade de pipas para o vinho do Porto. Com a nova quebra já anunciada, “ainda vai ser pior”. Se as uvas que sobram forem pagas a “cem euros por pipa”, então “não dará nem para uma côdea de pão”.
Maximino vai hoje à manifestação da Régua. “Pelo menos para fazer barulho”. Elísio Ramos, 77 anos, não vai, porque anda “mal das pernas”, mas também se queixa da “miséria” do Douro e constata que “ganha-se dinheiro, se as uvas ficarem penduradas nas videiras”.
Vale a reforma
O discurso de outros viticultores, como Alda Matos, Valentim Macedo, Alcides Carlos e Eurico Macedo, não é muito diferente dos conterrâneos. “O que vale a alguns de nós é o dinheirinho da reforma, senão passávamos fome”, frisa Alda. Vários agricultores desta aldeia da freguesia de Vale de Figueira conseguiram vender as uvas a um produtor de vinho de Carrazeda de Ansiães.
A Paula Pinto, proprietária do Café do Gricho, custa-lhe a situação em que estão os seus clientes. “Se o vinho não dá dinheiro, também não há para o gastarem no café”. Às vezes até o fecha “para não estar a ter despesa sem consumidores”.
O presidente da Junta de Freguesia, Teófilo Anjos, lamenta que os conterrâneos tenham de “andar todo o ano à volta da vinha e depois não tenham a quem vender a sua fonte de rendimento”. E quando vendem, “muitos não sabem quando e quanto vão receber”.