Lei Geral do Trabalho na Função Pública foi alterada há quatro anos para permitir que pessoas com mais de 70 continuem a trabalhar quando se justifique.
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Estava a poucos meses de soprar as velas, quando o diretor clínico a chamou e lhe perguntou "o que pensava fazer" a seguir: continuaria a trabalhar ou iria aposentar-se? A médica anestesiologista Idalina Rodrigues faz parte de um conjunto de funcionários públicos a quem foi concedida autorização para continuar a exercer funções após os 70 anos. A 30 de junho do ano passado, eram 352 as pessoas nas mesmas condições, de acordo com dados revelados pelo Ministério da Presidência ao JN.
Em janeiro de 2019, o Governo alterou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - onde a regra é passar à reforma aos 70 anos - e incluiu uma exceção. "Em caso de interesse público excecional" e desde que fundamentado, o funcionário público pode pedir para continuar a trabalhar. Após 29 de dezembro, dia do seu aniversário, Idalina Rodrigues continuou a vestir a "camisola do Serviço Nacional de Saúde (SNS)", no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. A alteração entrou em vigor há quatro anos.
"Há falta de profissionais na minha especialidade, logo não estou a tirar o lugar a nenhum jovem", salienta a médica anestesiologista. De acordo com o Governo, dos 352 trabalhadores com mais de 70 anos na Função Pública, 228 trabalham na Administração Central, 86 na Administração Local, 25 na Administração Regional dos Açores e 13 na da Madeira. Não foi possível saber junto da tutela quantas pessoas pediram para se manter no quadro de pessoal do Estado desde que a lei foi alterada em 2019.
"Abraçar" o SNS
Na edição de 30 março de 2020, o JN dava conta de que, no primeiro ano após a mudança na legislação, 35 pessoas tinham pedido para continuar a trabalhar e tiveram despacho favorável. A autorização tem de ser publicada em "Diário da República", com a respetiva identificação do trabalhador. Um processo simples para Idalina Rodrigues, que nunca ponderou mudar-se para o setor privado.
"Acompanhei o crescimento do SNS e abracei-o pelas ideias de base, de acesso a toda a gente e por ser uma medicina preventiva, curativa e de reabilitação", explica a clínica. "É com muita pena que vejo as dificuldades que enfrenta". Atualmente, a anestesiologista ainda assegura escalas na urgência, faz Via Verde do AVC, além das demais consultas no hospital.
A lei prevê que os funcionários públicos após os 70 anos possam fazer trabalhos pontuais e esporádicos e recebam consoante a função que desempenham. Idalina Rodrigues mantém as 40 horas semanais no hospital e ocupa outra parte do tempo a dar formação sobre reanimação cardiorrespiratória num clube, no exterior.
Nos primeiros três meses do ano passado, 10 297 trabalhadores das administrações públicas pediram a aposentação, segundo a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público. Enquanto tiver "capacidades físicas, cognitivas e psíquicas", a médica de 70 anos aceita o desafio de continuar a servir um hospital do SNS. Até aos 75, é possível.
Perguntas
Quem pode trabalhar na Função Pública após os 70 anos?
Todas as pessoas com mais de 70 anos a trabalhar na esfera do Estado são potencialmente elegíveis, na exceção prevista na lei. O pedido de manutenção de funções tem de ter "interesse público excecional" e ser devidamente fundamentado.
Por quanto tempo podem trabalhar?
O trabalhador deve fazer o pedido junto do empregador seis meses antes de completar os 70 anos. Se for aceite, o vínculo laboral no emprego público vigora por seis meses, que podem ser renováveis por "períodos iguais e sucessivos". O limite é até aos 75 anos.
Como é calculada a remuneração? Recebem reforma?
No período que durar o vínculo laboral, os trabalhadores recebem a respetiva remuneração, tendo em conta as funções que exercem no local de trabalho. Os funcionários públicos mantêm igualmente o direito à pensão de velhice, quando o montante é superior ao salário. Ou seja, recebem também a diferença entre a remuneração e a reforma.