A chegada ao mercado português de um operador de transporte individual de passageiros online (a norte-americana Uber), em 2014, provocou uma rutura no setor do táxi.
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Passados cinco anos, outra revolução: as empresas que gerem os veículos descaracterizados saíram da escuridão; ganharam licenças do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT); e os seus motoristas certificação profissional. Neste momento, representam quase metade dos tradicionais taxistas.
Dados fornecidos pelo IMT indicam que a 30 de junho empresas de TVDE - sigla que significa "transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica" - são 4686. Motoristas certificados são 13 015.
No setor tradicional do táxi, contam-se 9884 empresas e 25 808 taxistas, segundo dados fornecidos pelo IMT. Comparando os dois serviços, os operadores TVDE representam 32% do universo de empresas e os motoristas 33,5%. E tudo isto aconteceu em poucos meses. A lei de agosto ditou que os operadores podiam, até 1 de janeiro, requerer licenciamento e os motoristas certificarem-se até 1 de março.
A Federação Portuguesa do Táxi estima, inclusive que nas grandes cidades, como Lisboa e Porto e no caso especial de Faro, a oferta de veículos TVDE já supere a de táxis. Faro tem 250 empresas de serviços TVDE registadas.
"mercado vai saturar"
Florêncio de Almeida está "convencido que a médio prazo não haverá mercado para tanta gente". O presidente da Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (Antral) desconfia também do processo acelerado de certificação por parte do IMT. Evoca notícia recente que dá conta de suspeitas de corrupção relacionada com documentos necessários para obter a certificação de motoristas.
Fonte oficial da Uber em Portugal, a maior plataforma destes serviços - estão seis autorizadas -, diz que o mercado "reflete a procura dos portugueses" e que é o fator turismo o grande responsável por esta expansão.
"Só em 2017, cinco milhões de turistas estrangeiros abriram a aplicação Uber em Portugal", refere. A empresa diz ainda que um estudo sobre o crescimento da procura para o Algarve, de 2017 para 2018, previa um crescendo de 300% no número de viagens, baseando-se na visita de quatro milhões de turistas/ano.
Carla Silva, assessora da Federação Portuguesa do Táxi, reconhece o papel da explosão do turismo na procura deste serviço, mas alerta para os problemas que estão a ser criados ao mercado. A entrada repentina de muitos veículos está a fazer com que se pratiquem preços abaixo do seu custo, agravando conflitos. Considera que é urgente que o compromisso do PS de cada município criar uma determinação de contingentes se cumpra.
REPORTAGEM
"No Algarve é menos stressante e compensa mais"
São 15 horas e é difícil parar um carro no centro de Albufeira. Os portugueses regressam da praia para almoçar e cruzam-se com turistas, sobretudo britânicos, sem pressa. Em alguns casos, acabaram de tomar o pequeno-almoço porque, em férias, não há horários a cumprir e nada como aproveitar o sol em passeio pelas ruas.
Não há pressa, nem sequer para atravessar a rua. O trânsito é caótico, ouvem-se buzinadelas junto aos semáforos, mal cai o verde. Lugares de estacionamento são quase uma miragem e até as paragens de autocarro registam um movimento muito superior ao habitual, para desespero da população local.
É no "reino da confusão" que Nélson Ferreira consegue encostar o seu carro para partilhar com o JN um pouco da sua experiência como motorista da Bolt este verão. "Sou de Lisboa, mas venho cá fazer o verão, porque é compensador", diz o homem de 45 anos, contando que a maioria dos seus clientes vem da capital e do Porto "porque já conhece o serviço e gostam".
A conversa não consegue ser muito fluida, porque são constantes os pedidos de "um jeitinho" ao carro encostado junto ao estacionamento da principal avenida da cidade. "Cheguei há três semanas e noto uma subida de faturação de 30%", observa, acrescentando que as perspetivas "são muito boas".
Praias e jantares
Monotonia também é coisa que não existe. "Faço todo o tipo de serviços", garante o motorista da Bolt. "Os principais são ir levar e buscar clientes à praia ou a restaurantes para jantares em que querem estar à vontade sem se preocuparem com a viagem de regresso e, claro, também para o aeroporto", exemplifica.
A propósito de aeroporto vem à baila a relação com os taxistas. "Aqui são um bocadinho mais inflamados connosco do que em Lisboa, sobretudo nesta época de verão, talvez por ser um serviço novo na região", adianta.
Quanto à clientela, Nélson Ferreira diz que "é variada", mas "maioritariamente portuguesa e jovem, com pessoas que já vêm das cidades habituadas ao serviço e vão passando a palavra aos amigos". Por zonas é o eixo entre Faro e Portimão o mais solicitado. "Há muito trabalho, o que prova que fazia falta esta oferta no Algarve", conclui.
O telefone vai tocando e a conversa caminha para o fim. Mas confusão só se for para os algarvios habituados à pacatez do inverno, ou não estivesse Nélson habituado ao ritmo da capital. "No Algarve é menos stressante e mais compensador", conclui, antes do próximo serviço.
PORMENORES
Do Porto ao Algarve
A viagem mais longa, efetuada por um motorista da Uber com destino ao Algarve aconteceu em 2017. Teve início no Aeroporto de Sá Carneiro, no Porto, e terminou 573 km depois em Portimão.
Descontos de 50%
No Algarve, a Bolt tem em vigor uma promoção destinada a novos clientes, que oferece 50% de desconto nas primeiras cinco viagens a quem se estrear no serviço. As inscrições têm de ser feitas até ao dia 21.
"No Algarve é menos stressante e compensa mais"
A maior procura acontece entre as 19 e as 20 horas às sextas e sábados, e domingos entre a meia-noite e a uma da manhã.
MOBILIDADE
Uber e Bolt superam expectativas no sul do país
A Uber estreou a operação de plataformas de transporte individual no Algarve há três anos, em modo reduzido, cobrindo então apenas as zonas entre Faro, Vilamoura e Albufeira. Em 2017, passou a servir toda a região. O sucesso da multinacional norte-americana fez com que a concorrente Bolt - já presente em Lisboa, Porto e Braga - se juntasse este ano a esta opção de mobilidade, que, em ambos os casos, regista forte procura por parte de turistas, nacionais e estrangeiros.
"O balanço inicial da operação no Algarve excedeu todas as expectativas desde muito cedo. Nos primeiros 60 dias de disponibilidade da aplicação, viajantes de mais de 60 nacionalidades escolheram-nos para encontrar serviços de transporte para viajar no Algarve", adiantou ao JN fonte da Uber.
Um sucesso partilhado também pela Bolt, que começou a 1 de junho deste ano a contar com mais de 300 motoristas na região. "Percebemos um crescimento exponencial desde o lançamento, com taxas de crescimento superiores às das outras cidades", refere David Ferreira da Silva, CEO da Bolt em Portugal.
O sucesso das plataformas não é difícil de perceber para quem está habituado a passar férias numa região onde as soluções de mobilidade são poucas, sobretudo para quem não tem carro, já que a rede de transportes públicos é manifestamente desadequada e obsoleta. Tanto assim é que Uber e Bolt não vão restringir a operação aos meses de verão em que a população triplica. "O Algarve tipicamente é marcado pela sazonalidade, por isso reforçamos os motoristas até setembro, mas vamos continuar", adianta o CEO da Bolt.
A par da população local, os estrangeiros têm um peso significativo na operação. "Desde 2016, já viajaram com a nossa aplicação turistas de 128 países - da China à Tanzânia, da Roménia ao Gana, do Cazaquistão ao Ruanda", explica fonte da Uber. Mais recente na região, a Bolt destaca o peso "já significativo" dos franceses e britânicos, que trazem a aplicação instalada dos seus países .