Isolamento profilático de quem tem vacinação completa está em revisão pela DGS, sem data para alterações. Empresários pedem "equilíbrio".
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Numa altura em que as encomendas aumentaram, a indústria do têxtil, calçado e metalomecânica está a braços com falta de pessoal e com dificuldades em cumprir os prazos de entrega das encomendas. O absentismo anda próximo dos 20% e tem sido agravado pela norma que obriga ao isolamento profilático de trabalhadores com a vacinação completa que tiveram um contacto de risco com um caso positivo de covid-19. Vários países já a aboliram, mas Portugal continua reticente.
Há especialistas a defender que não faz sentido manter esta medida, mas não é consensual. Amanhã, os peritos que têm apoiado o Governo reúnem-se no Infarmed e este poderá ser um dos temas em discussão.
A norma que obriga os contactos de risco a fazer isolamento profilático (incluindo os que têm vacinação completa ou recuperaram de covid-19 há menos de seis meses) está em revisão e sem data prevista para alterações. Já motivou dúvidas ao presidente da República quando o primeiro-ministro (com duas doses da vacina) foi sujeito a quarentena após um contacto de risco. Entretanto, passou quase um mês e nada mudou. A Direção-Geral da Saúde (DGS) escuda-se no "princípio da precaução". O aumento da incidência de casos e a variante delta travaram as alterações.
A indústria não se intromete nas decisões científicas, mas já alertou o Governo para o grande impacto de medidas como esta nas empresas onde o teletrabalho não é possível e pede "equilíbrio na balança" em prol da economia.
"As nossas empresas estão a ficar desestruturadas. O absentismo na indústria do vestuário, neste momento, anda próximo dos 20%. Antigamente, rondava entre os 5 e os 7%. Tudo é permitido para dar baixa às pessoas. Entramos num ciclo muito perigoso e que penaliza as empresas", avisa César Araújo, presidente da Associação Nacional de Indústrias Vestuário e Confeção.
A situação parece ser transversal aos vários setores industriais e tem vindo a ganhar relevo nas últimas semanas. "Com o crescimento no número de casos aqui na zona, designadamente nos concelhos de Santo Tirso, Barcelos, Famalicão e Guimarães, aumentaram as queixas das empresas, porque, além dos trabalhadores infetados, a DGS manda para casa, para isolamento profilático, todos os que trabalham próximos, mesmo quando se trata de pessoas com a vacinação completa. Já nos aconteceu isso aqui na empresa, e a verdade é que até já passei por alguns deles na rua, apesar da ordem de isolamento", lamenta Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP).
A associação realça o impacto destas medidas "em empresas industriais onde o teletrabalho é impossível de aplicar" e defende que, com a vacinação a bom ritmo e uma percentagem elevada de pessoas vacinadas, "é tempo de equilibrar a balança em prol da economia, permitindo às empresas o regresso a uma maior normalidade em termos de organização do trabalho e em termos de atividade económica".
Diretrizes diferem
Também o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) reconhece "impactos negativos não só ao nível dos recursos humanos, que deixam de estar ao serviço, mas também pela expectativa que é colocada nas empresas de grande imprevisibilidade e de incerteza". Luís Miguel Ribeiro lembra o tecido empresarial do país, onde cerca de 96% das empresas tem até dez trabalhadores.
"Se numa empresa com esta dimensão, dois trabalhadores forem obrigados a ir para casa fazer o isolamento de 14 dias, a empresa ficará a braços com um sério problema", refere o líder da AEP.
Há também dúvidas sobre a heterogeneidade das medidas decretadas, nomeadamente o tempo de isolamento. "Muitas das vezes, as diretrizes mudam de acordo com os delegados de saúde. Para as mesmas situações temos decisões que são distintas e, em alguns casos, até opostas", assegura Paulo Gonçalves, porta-voz da APICCAPS, Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos em Peles e seus Sucedâneos.
Refira-se que a DGS admite o fim do isolamento profilático com um teste negativo ao décimo dia, nos casos em que o risco de geração de cadeias de transmissão é baixo, com avaliação caso a caso. Para os outros, mantém-se os 14 dias.
Metalurgia
Empresários nunca sabem com quem contar
Na metalurgia e metalomecânica é a falta de trabalhadores para contratar que preocupa os empresários, a par do aumento do custo das matérias-primas. "É verdade que os empresários nunca sabem bem com quem podem contar, devido aos isolamentos profiláticos arbitrários, surreais e disparatados. E a situação varia muito de concelho para concelho, consoante os delegados de saúde", mas o problema da falta de mão de obra "é mais profundo", explica Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP.