Produtos alimentares aumentaram 19,3% em março, ligeiramente menos do que em fevereiro. Analistas acreditam numa queda gradual, mas dependente dos mercados internacionais.
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O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou esta sexta-feira que a taxa de inflação - o Índice de Preços no Consumidor (IPC) - voltou a cair em março para 7,4%, menos 0,8 pontos percentuais em relação a fevereiro. Quer isto dizer que os preços também caíram? Não, apenas desaceleraram o seu crescimento, tendo também em atenção que este valor compara com a inflação registada em março do ano passado, quando já estava a decorrer a guerra na Ucrânia e os preços da energia e dos alimentos terem começado a subir de uma forma estratosférica.
"Esta desaceleração é em parte explicada pelo efeito de base resultante do aumento de preços dos combustíveis e dos produtos alimentares, verificado em março de 2022"″, alertou o INE. Ou seja, a inflação abrandou, em parte, porque a comparação é com um mês atípico do ano anterior.
Apesar de tudo, março foi o quinto mês consecutivo de alívio da inflação, isto porque houve uma queda dos preços dos combustíveis, eletricidade e gás - de 4,4% segundo INE - e um abrandamento muito ligeiro no crescimento dos preços dos produtos alimentares frescos. Passou de 20,1% em fevereiro para 19,3% em março. Os dados são animadores para as famílias, uma vez que a tendência para os próximos meses será de uma maior desaceleração, o que não é a mesma coisa que baixar preços.
No fundo, a inflação vai continuar a subir, mas a menor velocidade, isto porque, se nada se agravar em termos internacionais, haverá um efeito positivo da energia ter ficado mais barata, baixando os custos de produção das empresas e, consequentemente, dos produtos.
Perda do poder de compra continua
O economista Eugénio Rosa refere ao JN que a inflação anual aumentou entre fevereiro e março de 8,58% para 8,74%. Ou seja, "a perda de poder de compra de salários e pensões e de outros rendimentos, incluindo poupanças, continua a aumentar".
Fernando Teixeira dos Santos, economista e ex-ministro das Finanças, explica ao JN que "a situação no mercado de trabalho, que tem pressionado em alta os salários, também é um fator que contribui para a persistência da inflação". Apesar disto, continua o ex-ministro, "os indicadores recentes indiciam uma clara desaceleração do aumento dos preços, até porque os preços de agora se comparam com preços já mais elevados no ano passado".
O preço dos alimentos subiu 19,3%, confirmando os receios das famílias em continuar a suportar a inflação e os aumentos no crédito à habitação sem que os salários cresçam ou, mesmo subindo, não sendo o suficiente para acompanhar o aumento do custo de vida. As medidas anti-inflação, como o IVA zero para 44 produtos, apresentadas pelo Governo só entrarão em vigor em abril, o que só terão algum efeito nos próximos meses.
Os especialistas contactados pelo JN acreditam, no entanto, que a normalização dos preços enfrenta complicações porque a grande distribuição e a produção agrícola são setores abertos ao resto do Mundo, expostos, por isso, a diversas bolsas internacionais. Além disso, se o ano se mostrar seco, poderá manter-se uma pressão adicional sobre os produtos agrícolas de regadio, o que não é uma boa notícia para uma possível queda dos preços.
Inflação importada
Para Eugénio Rosa, a inflação atual é fundamentalmente "importada - isto não significa não haja especulação- que resulta fundamentalmente da disrupção das cadeias de fornecimento causada, primeiro, pela pandemia e, agora, pela guerra e fundamentalmente pelas sanções que está a impedir os países europeus de adquirem os bens que importam nos países com preços mais favoráveis". O economista indica que existem "aumentos enormes e dramáticos, isto porque estes bens devem representar quase 40% da despesa mensal das famílias de baixos rendimentos quando INE refere que para todas famílias a média é 20%".
Segundo Eugénio Rosa, o efeito das medidas do Governo "será passageiro e de difícil controlo já que não vai por limites às margens de lucro. É um logro pensar ou levar a opinião pública a pensar que o aumento das taxas de juro vai determinar a redução da inflação. Já isso assenta num pressuposto errado, que é dos preços aumentarem por pressão da procura excessiva da população".
Fernando Teixeira dos Santos é da opinião de que "será o mercado a ditar essa evolução e não o IVA aplicado", considerando que o preço dos bens alimentares "será determinado pelas condições de produção e oferta. Se estas condições forem no sentido de aliviarem as dificuldades que se sentiram nos últimos meses, então teremos uma redução da inflação destes bens, senão mesmo, até, algumas descidas de preços".
Portugal pior que Espanha
Relativamente ao índice harmonizado, que permite a comparação com o resto da Europa, o INE refere que a variação homóloga em março terá sido de 8%, um recuo face à taxa de 8,6% de fevereiro.
Apesar desta queda da inflação, nada se compara com os dados divulgados esta quinta-feira por Espanha, em que o IPC travou a fundo em março, para 3,3%, uma queda significativa de 2,7 pontos percentuais face a janeiro.
Já a inflação na zona euro, também houve uma desaceleração, de 8,5% em fevereiro para 6,9% em março, de acordo com a estimativa rápida do Eurostat, divulgada esta sexta-feira. Assim, entre os países do euro, Portugal fica pior na fotografia ao registar uma taxa de inflação acima da média. Teixeira dos Santos acredita que este andamento a várias velocidades entre Portugal e Espanha se deve a "diferenças significativas nas cadeias de abastecimento entre os países. Podemos estar perante processos de formação de preços distintos assentes em diferentes atitudes dos fornecedores".
Para Eugénio Rosa, enquanto a guerra e as sanções continuarem, e se o confronto entre os blocos (EUA e UE) e (China e Rússia) continuar e se agravar "será muito difícil, para não dizer mesmo impossível, uma inflação de 2% ou próximo deste valor. Quem afirmar o contrário é um vendedor de ilusões".
O alívio da inflação em março será um dos dados fundamentais a ter em conta pelo Banco Central Europeu (BCE) para decidir se vai continuar a política de aumento das taxas de juro, sobrecarregando as famílias, empresas e os próprios Estados-membros.