Maioria de novos empréstimos concedidos no ano passado a famílias que ganham mais de 2400 euros mensais.
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Comprar casa é cada vez mais difícil para os jovens, para quem ganha menos, e praticamente impossível para quem ganha o salário mínimo. Entra esta sexta-feira em vigor mais uma atualização do Banco de Portugal (BdP) que retira cinco anos de prazo máximo à maioria dos clientes bancários que recorrem a crédito à habitação. Em 2021, segundo o BdP, só 12,5% dos clientes a que foi concedido crédito para comprar casa tinham rendimento mensal igual ou inferior a 1200 euros.
A nova recomendação macroprudencial do BdP limita o prazo máximo dos créditos à habitação a 35 anos, no caso dos clientes com idade superior a 35 anos, podendo chegar a 37 anos para clientes entre os 30 e os 34 anos, e só pode chegar a 40 anos - o máximo que vigorava até agora - para clientes com idade igual ou inferior a 30 anos.
De acordo com o relatório de acompanhamento da referida recomendação, iniciada em julho de 2018 e agora atualizada, no ano passado só 16,3% dos novos créditos à habitação foram concedidos a jovens com idade igual ou inferior a 30 anos, sendo o escalão etário entre os 30 e os 34 anos responsável por 20,4% dos contratos. A maioria dos créditos (63,1%) foram concedidos a clientes com mais de 35 anos. É este grupo que vai deixar de poder contratar o prazo máximo de 40 anos, o que implica menos 60 meses para pagar a casa e um agravamento da prestação em 12,5%.
As regras que entraram em vigor em 2018 já restringiam o acesso ao crédito, ao exigir aos clientes pelo menos 10% do valor do imóvel (na avaliação ou na escritura, o menor aplicável), uma taxa de esforço menor ou igual a 50% do rendimento mensal para todos os créditos que possua (e para uma prestação com juros a 5%, caso a Euribor venha a subir três pontos percentuais).
No caso de um jovem que ganha o salário mínimo nacional, de 705 euros em 2022, a prestação máxima a pagar pela casa - e não pode ter outros créditos, como do carro ou de cartões - rondará os 210 euros. Mas este valor, a pagar em 35 anos, só permite um crédito de 76 mil euros para comprar um imóvel que custe no máximo 90 mil euros. O comprador terá ainda de arcar com 14 mil euros em poupanças e contar com cerca de três mil euros de despesas. São 17 mil euros de capitais próprios, que significam dois anos de salários mínimos que um jovem ou um cliente com mais de 35 anos, que esteja no mercado de arrendamento, por exemplo, terá dificuldade em juntar.
Reforma paga casa
O próprio BdP admite, no relatório de acompanhamento da recomendação, que, desde que entraram em vigor as regras mais apertadas de crédito, em julho de 2018, e até ao ano passado, "verificou-se uma tendência de redução do crédito à habitação a mutuários com rendimentos mensais líquidos inferiores a 1200 euros, por contrapartida de um aumento do crédito a mutuários com rendimentos mensais líquidos superiores a 2400 euros".
A ideia de que limitar o prazo dos créditos pretende evitar créditos além da idade da reforma é errada, defende Hélder Pereira, diretor de crédito à habitação da Caixa Geral de Depósitos na zona Norte. "O único problema dos créditos dos idosos é as seguradoras não garantirem o risco além dos 75 anos e, por outro lado, a possibilidade de o imóvel, ao fim de 40 anos de hipoteca, estar desvalorizado e não cobrir a garantia do banco", explicou.
Quanto à perda de rendimentos, quem hoje tiver 45 anos e ganhar 2400 euros mensais líquidos, segundo o simulador da Segurança Social, vai receber uma reforma de cerca de três mil euros. Mesmo quem ganha 1200 euros, com a mesma idade, terá uma reforma estimada de 2080 euros. E, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, em fevereiro deste ano, o valor de prestação média do total de créditos à habitação era de 255 euros, subindo para 342 euros nos contratos realizados nos últimos 12 meses.
Mercado vive de vendas que financiam nova compra
O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) diz que "os jovens que querem comprar casa estão a desviar-se para zonas mais longínquas das grandes cidades para conseguirem pagá-las". Paulo Caiado calcula que "90% dos imóveis residenciais transacionados no ano passado eram usados, portanto o mercado vive da venda: é com ela que financiam a compra com as novas regras a exigir capital próprio, com menos financiamento bancário e taxa de esforço muito limitada". Quem não tem casa para vender não tem alternativa a procurar "imóveis mais baratos, mais longe das cidades". Como o país não tem redes de transportes rápidos, essas famílias "ou gastam mais em combustíveis ou, aproveitando a tendência da pandemia, ficam a maioria da semana em teletrabalho".