Há quem consiga compensar quebras de faturação na loja com redes sociais.
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O comércio através das redes sociais, que hoje movimenta milhões em todo o Mundo, está a ser a tábua de salvação para muitos lojistas de rua ou de pequenos centros comerciais. Digitalizaram os seus negócios e foram para os diretos do Facebook em busca dos clientes que a pandemia continua a afastar do balcão. Vendas que vão cada vez mais pesando na faturação.
Os comerciantes descobriram, de forma autodidata, uma nova ferramenta e uma nova linguagem, adaptando-se com êxito a um canal de vendas desconhecido até então. Ao fim do dia, depois de fecharem a porta da loja, abrem a janela virtual para apresentar as novas coleções de vestuário ou calçado feminino. Aqui são elas quem mandam, são a audiência destas transmissões, com milhares de visualizações, que permitem a alguns destes comerciantes entrar até no mercado externo.
"O comércio de rua está a atravessar uma das maiores crises de sempre. Quem vive só das vendas em loja e não está preparado para isto, não vai sobreviver", sentencia Maria Rocha, que desde "há quatro anos" vende a roupa da loja, no Marco de Canaveses, em "lives" diários no Facebook e que já valem 70% do negócio (ler ao lado).
"Tornou-se uma montra importante e a cliente gosta de ver as peças ao vivo. E se ela não pode vir cá, temos de ir nós ter com ela", resume Isabel Almeida, da CHG (Cheia de Graça), em Lisboa, que, "uma ou duas vezes por semana", apresenta as novidades através da câmara do telemóvel.
A crise foi o "empurrão que precisava" a Samipe, distribuidora de moda de Aveiro, para investir nas novas tecnologias. "Não nos restava alternativa", diz Miguel Ferreira, proprietário da cadeia de lojas que, nestes tempos, passou a ter dois novos canais de vendas: o site e as redes sociais, onde aparece Sandra, a modelo dos "diretos", muitos deles com mais de cinco horas.
Desengane-se quem pensa que esta é uma tarefa fácil, avisa Isabel Almeida. "Na loja, a cliente tem tendência a comprar mais, se vem à procura de uma coisa, conseguimos que ela leve mais outra. Online, a compra acontece por impulso, no momento, e por vezes não se concretiza, é mais fácil desistir."
Diretos da Maria com 20 mil visualizações
A partir de um pequeno centro comercial "praticamente deserto" em Alpendorada, no Marco de Canaveses, "nos confins do nada", Maria Rocha vende roupa para Portugal inteiro e para o estrangeiro em diretos transmitidos, religiosamente, de segunda a sexta-feira, na página de Facebook da loja "Be Woman". Em menos de uma hora de emissão, vende, em média, 30 a 40 peças, "centenas por semana."
Às 19 horas em ponto, mira a câmara do smartphone colocado num tripé com anel de luz, e dá início aos "Diretos da Maria". Segurando na mão um flute dourado, a condizer com os longos cabelos loiros, dá as boas-vindas a quem, do outro lado, a vai cumprimentando através da caixa de comentários.
Manda beijinhos aos clientes do Porto, de Lisboa, do Algarve, de todo o lado. E também a quem a siga de Espanha, França, Bélgica, Suíça ou Luxemburgo - chega a ter "400 ou 500 pessoas a assistir em simultâneo" e, ao fim de 24 horas, 15 ou 20 mil visualizações.
Aparece já vestida com um dos "looks" previamente escolhidos que vai apresentar durante aqueles 30, 40, 50 ou 60 minutos. Em cada dia, mostra uma marca diferente porque, em praticamente todos, recebe artigos novos. Com a ajuda de Susana, a funcionária, vai mudando de visual. "Se não vestir a roupa, não vendo", garante.
Mostra casacos, vestidos, camisas, camisolas, calças e saias; diz os tamanhos e as cores disponíveis, e os preços que não são para qualquer carteira. "Meninas, hoje os stocks são limitadíssimos", não se cansa de lembrar, enquanto vai interagindo com a audiência durante um momento que, mais do que de vendas, é de animação - Maria também é uma "entertainer".
Tem clientes fiéis
Enquanto isso, a caixa de mensagens vai sendo inundada de encomendas que, no dia seguinte, são confirmadas para depois seguirem via correio. "Desistências? No início, sim, havia. Agora, tenho uma carteira de clientes fiéis que, depois de encomendarem, não voltam atrás", explica.
Maria já anda "nisto há muito tempo", o tempo suficiente para ter sucesso, e que lhe permitiu aumentar o negócio, mesmo com a loja fechada pelas restrições impostas pela crise sanitária.
"A pandemia fez até com que aumentasse o negócio e com que as vendas no Facebook passassem a representar 70% da faturação. Nessa altura, houve muitos lojistas que fizeram descontos. Não foi o meu caso, mas 20% do valor das vendas foi entregue a instituições de solidariedade. Angariámos 6400 euros", revela a comerciante de 47 anos, com o mesmo orgulho com que conta, ao JN, ter sido surpreendida, no Natal, pelas fiéis clientes que se juntaram para lhe oferecer "um casaco de 1300 euros" que tinha gabado num dos diretos. "É um sinal do reconhecimento do meu trabalho", comenta.