Quebras na colheita andam entre os 30% e os 50%. Agricultores esperam milhares de euros de prejuízo.
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As contas dos produtores de cereja não são auspiciosas para este ano, face às quebras na produção. A qualidade é excecional, garantem. Não se prevê que os preços compensem as quebras e o aumento dos gastos na lavoura, tanto mais que são flutuantes e diferentes em cada região, mas para já estão altos, entre cinco e 12 euros por quilo. No ano passado, Portugal produziu 28 mil toneladas de cereja. Foi o melhor ano dos últimos 35.
Este ano, esperam-se milhares de euros de prejuízo. Nas várias zonas produtoras, nomeadamente Alfândega da Fé, Lamas (Macedo de Cavaleiros), Fundão e Resende, estimam-se quebras consideráveis nas colheitas que variam entre os 30% e os 50%.
Fundão tem as perdas mais acentuadas. "Num ano normal colhemos 6000 toneladas. Este ano deve ficar entre 3000 e 4000 toneladas", explicou Filipe Costa, da Cerfundão - Organização de Produtores.
Em Alfândega da Fé a quebra da produção anda pelos 40%, segundo Eduardo Tavares, presidente da Câmara. Na zona de Lamas, aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros, que em média produz cerca de 300 toneladas, "na cereja de cedo a produção baixou 60%, na outra, que é colhida no início de junho, fica pelos 30%".
Geadas complicaram
As geadas tardias registadas em abril, em pleno período de floração, não só atrasaram em cerca de duas semanas a maturação do fruto, como "danificaram muitos as flores que não vingaram para fruto", acrescentou Filipe Costa.
Em Resende há mais de 40 variedades de cereja. A apanha arranca tradicionalmente com a burlat, que é a primeira a ficar vermelha. São cerca de 14 milhões de euros o rendimento anual no Fundão. Há dezenas de produtores, mas 20 estão associados na Cerfundão.
As leis da oferta e da procura ditam os preços. Com menos quantidade os preços disparam. "Tudo depende do consumidor final e do seu poder de compra, que não anda famoso. Na Cerfundão não praticamos um preço único na compra ao produtor, depende da qualidade. No início da campanha é mais cara, depois o preço vai baixando", referiu Filipe Costa, que não adianta números. No Fundão estão a apostar na renovação de pomares com variedades mais produtivas e resistentes.
Em Alfândega da Fé "a qualidade do fruto não foi comprometida", afirmou o autarca, Eduardo Tavares. José Luciano, produtor, confirma que "este ano há menos quantidade, apesar de a cereja ser muito boa".A cereja portuguesa é vendida maioritariamente em fresco para o mercado nacional, com alguma exportação para a diáspora na Europa. Há quase 30 anos, Alfândega da Fé chegou a comercializar para a marca de bombons Mon Chérie, mas esse canal acabou e a Ferrero usa fruto espanhol.
O país é deficitário e importa mais de 40% do fruto que consome, daí que as exportações sejam ainda baixas. Em 2019, foram exportadas 139 toneladas. O Fundão exporta perto de 50 toneladas, mas só a organização de produtores Cerfundão colhe mais de 6000 toneladas.
Resende produz em média 3500 toneladas de cereja, mas as exportações são baixas. Em Alfândega da Fé, a Cooperativa de Agricultores não tem registo de exportações.
Em 2021, Portugal produziu 28 mil toneladas de cereja, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. Foi o melhor ano dos últimos 35. A cereja terá movimentado 70 milhões de euros, com base num preço médio de venda de 2,5 euros. Em 2019, o país produziu 19 130 toneladas, mas em 2020 registou-se uma quebra de 60% devido a vicissitudes climatéricas.
Falta mão de obra
Alfândega da Fé ganhou fama graças à cereja e quer aumentar a produção, o que pode acontecer com o investimento de 35 milhões no regadio do concelho. E 60 dos 80 hectares de pomares de cerejeira na terra são plantações novas e em regime intensivo.
Em Lamas, Macedo de Cavaleiros, a associação de produtores está a trabalhar na sensibilização para o recurso a tratamentos, de modo a "uniformizar as colheitas em calibre, sem problemas de bichado e qualidade para avançar para a certificação", referiu Leonardo Vila Franca, da associação
A falta de mão de obra é transversal às várias regiões. "No Fundão a maior parte dos produtores recorre a imigrantes através de empresas de trabalho temporário para suprir as necessidades ", disse o técnico da Cerfundão.
Basta uma noite de chuva para destruir frutos
Às seis da manhã já há pessoal a apanhar cereja nos pomares de Resende, um dos concelhos do país que mais apostam neste fruto vermelho, que por esta altura do ano faz as delícias de portugueses e estrangeiros. "É pela fresca" que o dia começa. A jornada arranca ao nascer do sol e só termina às 15 horas, parando a meio da manhã para a bucha.
Em Resende, os produtores acabam o dia de trabalho cedo para conseguirem vender as cerejas no próprio dia em que são colhidas, para elas chegarem ao consumidor final no dia seguinte. "A cereja gosta do fresco e depois os mercados obrigam-nos a fazer isto", explica Rogério da Silva, fruticultor há 45 anos.
O homem, de 68 anos, começou a apanha em finais de abril. Se tudo correr bem, a campanha só terminará em início de julho nos seus 16 hectares de cerejal. A falta de chuva, que tem preocupado muitos agricultores por esse país fora, é "uma bênção dos céus" em Resende. "A cereja este ano está espetacular, temos uma produção satisfatória e a qualidade é boa porque não chove. Basta uma chuva para destruir os nossos frutos", defende.
Carlos Xavier Cruz, que há 12 anos pegou no negócio do pai, garante que "já há muitos anos" que não havia "uma cereja com tanta qualidade". "Está mesmo muito boa. Tem um brix [grau de doçura] espetacular", diz. Também o calibre é elogiado.
O produtor, de 53 anos, que em média apanha 35 toneladas, só lamenta a geada que caiu durante a floração, em março, e que causou uma quebra de 40% em algumas zonas. "Se não fosse isso, teríamos uma boa produção", acrescenta.
Falta mão de obra
A apanha ainda agora começou, com as variedades mais precoces, mas decorre a bom ritmo. Um dos maiores problemas em Resende é a falta de mão de obra. Aníbal Cardoso Pereira, produtor de cereja há 25 anos, tem de se socorrer da família e dos amigos nos quatro hectares que possui. "Infelizmente não temos mão de obra no concelho, não conseguimos arranjar pessoal porque a juventude estuda, forma-se, sai daqui e os velhotes não conseguem apanhar as cerejas", lamenta.
Já Carlos Xavier Cruz, que por dia tem a seu cargo 12 pessoas, não tem tantas queixas. Como tem cerejais mais novos, a colheita é mais fácil porque as árvores são mais pequenas e o pessoal prefere "andar com os pés no chão".
"Como as cerejeiras são baixinhas, não é difícil, o pior é quando são muito altas porque é preciso pôr escadas e isso custa mais um bocadinho", adianta Aida Lamego Rodrigues. Com 46 anos, começou a apanhar cerejas aos 18. É doméstica e na altura da campanha da cereja anda ao dia fora para ter um rendimento extra.
Pormenores
Jovens investem
Há cinco anos, a Câmara de Alfândega da Fé arrendou 25 hectares de terrenos a cinco jovens, que aumentaram a produção. Quando estiverem em plena rentabilidade, podem chegar entre 150 e 200 toneladas por ano
Promoção
Este ano, o Município de Alfândega da Fé alargou os três dias da Festa da Cereja para mais de um mês, com um mercado de rua todos os fins de semana entre 7 de maio e 12 junho. O objetivo é atrair turistas, para beneficiar restauração e hotelaria.
Festa
A festa da cereja em Resende é a dobrar. O evento vai decorrer em dois fins de semana: primeiro a 28 e 29 de maio e depois a 4 e 5 de junho. Participam na 20.ª edição do certame mais de 100 produtores.