Empresas preferem pagar acordos em que assumem negligência e acabam por liquidar valores mínimos. Parte reverte para os consumidores. Em 2020, um milhão de euros foi abatido às tarifas da eletricidade.
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Nos últimos sete anos, desde que possui poderes sancionatórios, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aplicou coimas de valor superior a 4,4 milhões de euros, mas as empresas multadas serviram-se de um expediente da lei para pagar apenas metade (2,4 milhões de euros). A troco de assumirem culpa por negligência e compensarem os consumidores, as empresas do setor energético fogem à multa completa e à litigância em tribunal. Em 55 processos, foram diretamente compensados 577 consumidores, num total de cerca de 50 mil euros.
Entre a lista de processos contraordenacionais tratados pela ERSE nos últimos sete anos, poucos são os que terminaram sem desconto na coima e, geralmente, correspondem a operadores de menor dimensão, como os postos de combustível que não dispunham de livro de reclamações (ou não tinham a informação sobre o mesmo afixada), não enviaram as folhas à ERSE ou recusaram entregar o livro ao consumidor. Em 96 processos, só 55 atingiram a fase em que foi emitida nota de ilicitude, altura em que os factos são considerados provados e as empresas são convidadas a defender-se. É nessa altura que recorrem ao chamado procedimento legal da transação.
Desconto
"A diferença entre o valor de coimas aplicadas e de coimas cobradas prende-se com o recurso ao procedimento legal da transação, especificamente previsto no Regime Sancionatório do Setor Energético ", explica, ao JN, fonte da ERSE. "Ou seja, com o reconhecimento dos factos e perante a garantia de que os visados abdicam do exercício do direito ao recurso judicial da decisão condenatória, o valor das coimas é reduzido sendo o pagamento realizado por esse valor", remata.
A própria lei facilitou os descontos, independentemente do valor das coimas ou da gravidade das infrações. Os dados fornecidos pela ERSE não permitem aferir a reincidência de cada empresa, cujo nome é omitido em alguns processos, nomeadamente sobre práticas comerciais desleais, mas o tema das infrações mais frequentes ao longo dos anos sugere que as coimas não demovem as infratoras.
"Não obstante a maior atuação da ERSE, também por força de este ser um negócio rentável, as empresas acabam por manter práticas desleais, especialmente na contratação à distância", considerou Andreia Almeida, jurista da DECO, a quem "continuam a chegar queixas de consumidores enganados para mudar de comercializador" (ler ao lado).
Consumidor nem sente
Se as coimas não demovem as empresas de prejudicar os respetivos clientes, estes também pouco sentem as compensações. Nos processos citados, houve 577 consumidores que receberam compensações diretamente das empresas, numa média de 87€.
Os restantes, explica a ERSE, beneficiam da devolução do saldo de gerência da instituição, engordado por 40% do produto das coimas. Assim, no último ano, "a ERSE devolveu um milhão de euros aos consumidores através das tarifas de eletricidade".
Caso recente
125 irregularidades
Em janeiro, a ERSE multou a Galp Power em 752 mil euros por 125 contraordenações relacionadas com interrupções do fornecimento de eletricidade e de gás natural, faturação e não submissão atempada dos contratos.
Pagamento de 50%
No entanto, "atendendo ao reconhecimento das infrações a título negligente, às medidas apresentadas e às compensações atribuídas aos clientes lesados", a empresa viu a coima ser "reduzida para 376 mil euros, já pagos", informou a ERSE.