Um grupo de ex-responsáveis do Grupo e do Banco Espírito Santo, com Ricardo Salgado à cabeça, deverá ser alvo de acusação criminal, dentro de semanas, por, no primeiro semestre de 2014, ter posto em prática um alegado esquema de burla que terá lesado o BES em cerca de 1056 milhões de euros, só através da emissão de títulos de dívida.
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Daqui resultou, simultaneamente, uma mais-valia de 800 milhões de euros, cujos beneficiários também deverão ser identificados na acusação do Ministério Público (MP).
A estratégia montada para aquela emissão de obrigações constitui um dos principais capítulos da investigação do MP sobre a derrocada do universo Espírito Santo e fará parte do despacho de acusação que, segundo informações recolhidas pelo JN, deverá ser proferido antes do início das férias judiciais (16 de julho).
O despacho vai ter milhares de páginas e está a ser redigido por vários magistrados do MP no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), sob a coordenação de José Ranito, em teletrabalho.
Para provar o esquema com os títulos de dívida, o procurador da República José Ranito conta com o apoio de uma equipa de dezenas de investigadores de diferentes áreas e, com aval do juiz de instrução Carlos Alexandre, deitou mão a diferentes métodos de recolha de prova. Para o Reino Unido e os Estados Unidos, por exemplo, foram enviadas cartas rogatórias a pedir o acesso a mensagens trocadas no chat da Bloomberg (plataforma de informação, software e dados financeiros) por Pedro Serra, Nuno Escudeiro e Tiago Brandão, enquanto negociadores dos títulos de dívida do BES.
As provas imprescindíveis
Nesta parte, a investigação foi conduzida sobre a hipótese de o esquema criminoso ter consistido na venda de títulos de dívida de valor nominal de cinco mil milhões de euros, mas que foram emitidos por 468 milhões de euros, a cupão zero, nos meses que antecederam a resolução do BES, em 3 de agosto de 2014.
Aquelas obrigações foram vendidas a uma entidade suspeita de pertencer ao universo do Grupo Espírito Santo, sendo por esta revendidas à gestão discricionária de carteiras de clientes do BES (ler texto secundário). Isto ocorreu quando as empresas não financeiras do grupo já estavam proibidas de colocar mais dívida junto de clientes do BES, tendo gerado uma mais-valia de 800 milhões de euros que o DCIAP acredita ter-se destinado a "fins privados".
Mas há uma dúvida sobre o alcance da futura acusação. Desde 2018, esta foi adiada várias vezes com o argumento de que, após o envio de cartas rogatórias para vários países, faltava ao DCIAP receber elementos "imprescindíveis à apreciação objetiva e subjetiva da factualidade a que respeitavam".
Estavam em causa, principalmente, provas apreendidas na Suíça, a pedido dos magistrados do DCIAP e que estes puderam analisar, mas não trazer para Portugal, por motivos ainda não completamente esclarecidos.
Nos últimos meses, farto de esperar e pressionado para apresentar resultados, o MP resolveu avançar com o despacho acusatório, sem as tais provas "imprescindíveis" da Suíça. O mesmo país onde, já antes deste processo, a sociedade Akoya geria fortunas pessoais do ex-presidente executivo do BES, Ricardo Salgado, e do administrador que lhe sucedeu no cargo, Amílcar Morais Pires.
As convicções do DCIAP
Seja como for, a acusação deverá dar por assente que a emissão das obrigações em 2014, ao mesmo tempo que geraram a mais-valia de 800 milhões, resultaram em prejuízos equivalentes para o banco e para os clientes; e que, depois, o BES até decidiu recomprar uma parte significativa daquelas obrigações, por um preço superior ao da emissão, assim somando mais 256 milhões de euros de prejuízos para a instituição financeira.
Também não haverá dúvida de que aquelas operações foram levadas a cabo por Ricardo Salgado e Amílcar Pires, com a colaboração ativa de responsáveis do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos do banco, como Isabel Almeida, António Soares, Nuno Escudeiro, Pedro Serra e Pedro Pinto.
Durante a investigação, o DCIAP apontou para crimes de burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal, mas a acusação final poderá imputar ainda infidelidade, corrupção no setor privado e associação criminosa a alguns dos arguidos.
Grupo Espírito Santo
Uma teia de base familiar
O Grupo Espírito Santo (GES) tinha uma base familiar e atividade em diversos países, entre os quais Portugal, Luxemburgo e a Suíça. A sua estrutura consistia num conjunto de holdings em relação de domínio e num conjunto de sociedades operacionais. Entre estas contavam-se, na área financeira, o Banco Espírito Santo, a Espírito Santo Financial Group, Banque Privée Espírito Santo, Espírito Santo Financière, ES Bank Panama e Banque Espírito Santo et de la Vénétie. Na área não financeira, destacavam-se a Espírito Santo International, Espírito Santo Control, Espírito Santo Resources, Rioforte Investments e Espírito Santo Services.