Porto teve no ano passado uma quebra de dez milhões de euros e Lisboa apenas conseguiu angariar um terço dos 36 milhões obtidos no ano anterior.
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A pandemia provocou uma autêntica hecatombe na cobrança da taxa turística em diversas autarquias. A falta de visitantes emagreceu as receitas municipais em milhões de euros. No Porto, foram menos dez milhões, em Gaia, a receita ficou pela metade da conseguida em 2019 e em Lisboa apenas um terço dos 36 milhões de euros arrecadados há dois anos foram cobrados.
A taxa turística é aplicada em dez municípios portugueses: Lisboa, Porto, Gaia, Sintra, Cascais, Mafra, Óbidos, Portimão, Vila Real de Santo António e Santa Cruz, na Madeira, e todas as autarquias contactadas pelo JN não esconderam o desalento com o mau ano turístico.
A taxa, cobrada aos visitantes que pernoitam nas cidades, entrou em vigor no Porto em 2018 e logo no ano de estreia, fruto do crescendo de turistas, a Autarquia arrecadou 10,4 milhões de euros e contabilizou 5,2 milhões de dormidas. Os valores saltaram para os 14,8 milhões de euros em 2019 e nada fazia prever o que viria no ano seguinte.
Com a pandemia a surgir em março, as reservas começaram a ser canceladas e nem mesmo a abertura verificada no verão chegou para equilibrar as contas e o ano terminou com um saldo de apenas 5,4 milhões de euros o que, em termos de variação, equivale a menos 9,4 milhões de euros, ou seja, uma queda de 63,3%.
Cenário idêntico
Na vizinha Gaia o cenário não foi diferente. A denominada taxa de cidade entrou em vigor em dezembro de 2018 e no ano seguinte o valor angariado ultrapassou um milhão de euros. Contudo, no ano passado ficou-se nos 561 mil euros.
Mas foi em Lisboa que se registou a quebra mais acentuada. A cidade, que em 2019 tinha obtido uma receita na ordem dos 36 milhões, fechou 2020 com um proveito magro de 12,1 milhões de euros.
Em Mafra, entre janeiro e março de 2020 foram arrecadados 105,4 mil euros. Estima-se que a quebra total de receitas foi de 630,9 mil euros.
Em Cascais, dos 2,7 milhões de euros em 2019, a receita caiu para os 880 mil euros. Em Vila Real de Santo António, entre janeiro e março foram arrecadados 105 mil euros, estimando-se a quebra total de receitas em 630,9 mil euros.
A saber
Dois euros por dormida, que são aplicados a hóspedes com mais de 13 anos, num máximo de sete noites seguidas, no Porto. Isento está quem pernoita para tratamento médico e os seus acompanhantes.
69%
A perda total a nível nacional, segundo a Associação da Hotelaria de Portugal, foi na ordem dos 69%. A taxa de ocupação hoteleira anual fixou-se nos 26%.
O que é
A taxa turística é cobrada aos hóspedes que fiquem alojados em empreendimentos turísticos ou alojamentos locais nas cidades onde o imposto está em vigor. É cobrado um valor extra, por noite e por pessoa, para além do preço do quarto.
Para que serve
O motivo é o desgaste provocado pela pegada turística e o objetivo é arrecadar fundos para que o município possa investir nas infraestruturas, desde as estradas, passeios e todos os espaços públicos à própria preservação ambiental.
Qual o valor
O valor é definido pelo município e varia de concelho para concelho, entre um e dois euros, por determinado número de dias.
Reportagem
Após tempos de entusiasmo, "do dia para a noite foi o fim"
Hotelaria No Torel Palace Porto a piscina está por estrear, as garrafas do bar por abrir, as portas dos quartos alusivos a escritores portugueses continuam fechadas e na receção paira o silêncio e os dois funcionários pouco têm que fazer. A unidade abriu há um ano mas foi de imediato apanhada pela pandemia e poucos visitantes recebeu desde então. A austríaca Ingrid Koeck, imagem da persistência, fez questão de manter o seu hotel de portas abertas e mostrar ao mercado que ali a covid-19 não venceu.
Ingrid é uma das sócias-gerentes do hotel boutique instalado no antigo palacete Campos Navarro, que chegou a albergar o ISCAP - Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, na Rua de Entreparedes. A luz que entra pela claraboia, luxuosamente revestida a gesso trabalhado, inunda a escadaria e todos os materiais que pertenciam à antiga casa senhorial foram rigorosamente respeitados no restauro.
O hotel abriu em fevereiro de 2020 e funcionou duas semanas. "Foi um choque, tudo aconteceu de repente. Tínhamos já reservas para o resto do ano que acabaram canceladas. Mas recusei ceder. As nossas tarifas não eram reembolsáveis, mas alteramos tudo para uma flexibilidade total. Há sempre pessoas a precisar de viajar e tivemos aqui empresários, médicos, pilotos, portugueses que residem no estrangeiro. Não foi o ideal mas foi muito tocante", diz, acreditando no regresso da sociedade, em breve, a uma "nova normalidade".
O mesmo azar
O mesmo azar bateu à porta de Francelina Valente. Trabalhava em confeções com o marido, mas o negócio estava mau. "Como tínhamos esta casa de família resolvemos abrir um alojamento local. Acabou por correr também mal", conta. Após a realização de obras, o Apartments S. Lázaro abriu em junho de 2019. "Nos primeiros meses estávamos entusiasmados. Não faltavam reservas nem turistas, mas depois, do dia para a noite, foi o fim", explica.
Também no Hotel do Norte, mesmo ao lado da famosa Capela das Almas, os três funcionários não sabem como passar o tempo tal é o marasmo. "Antes da pandemia a gente queixava-se por não parar um minuto e chegávamos ao fim do dia exaustos, mas agora é bem pior. Não se passa nada!", afirma Lília Rodrigues. Aqui ninguém foi despedido mas dois ou três funcionários continuam em "meio lay-off". Neste momento, começam a surgir algumas reservas para o verão.
No Hotel Catalonia Porto é a própria diretora que está na receção. Beni Ponse conta as alterações que teve de fazer na decoração para obedecer às normas sanitárias, mas explica que nem mesmo isso atraiu hóspedes e as quebras rondam os 80%. O hotel abriu portas em dezembro de 2019. "Tivemos uma passagem de ano com excelente ocupação, mas logo a seguir perdemos todas as reservas", conta Beni, acrescentando que o grupo hoteleiro tem mais unidades em Espanha, em Bruxelas, no México e na República Dominicana.
"Abrir aos poucos"
Tal como Ingrid, a espanhola recusou cruzar os braços e manteve o hotel aberto. Há um mês baixaram as tarifas no Dia dos Namorados e tiveram boa taxa de ocupação. "Tem é de haver mais apoios. Por exemplo, o layoff era uma boa ajuda mas terminou", afirma Beni. Por isso não houve a renovação de contratos de alguns funcionários. "Sou otimista por natureza e tenho a certeza que vamos dar a volta. Compreendo a necessidade do confinamento mas agora é preciso abrir aos poucos", defende.
Na Rua da Madeira, no MyStay, os quartos vão sendo alugados e Cátia Sousa, diretora operacional, conta que estão a trabalhar bem embora a ocupação ande nos 20%. Tanto ali como nas restantes três outras unidades que têm na cidade. Confessa que está "morta que a pandemia passe porque as pessoas vão ficar todas malucas e a querer viajar".