Pandemia poderá ajudar a explicar estagnação do número de aposentados e diminuição dos beneficiários do apoio à pobreza na terceira idade.
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As reformas por velhice e o complemento solidário para idosos (CSI) estão a recuar há meses. No caso dos pagamentos a quem se aposenta por idade, a tendência histórica de crescimento interrompeu-se, desde julho; no subsídio dado aos idosos muito pobres, há quase menos quatro mil beneficiários (3778) e a descida acentuou-se a partir do verão. Uma possível explicação é a covid-19, pelo impacto na mortalidade dos mais velhos e pelas dificuldades que levanta a quem pede prestações e a quem as processa.
Em outubro de 2019, havia 165.699 pessoas a receber o CSI, número que tem vindo a cair e que baixou para 161.921 no mês passado.
Jorge Bravo, professor na Nova de Lisboa e especialista em pensões, aponta o exemplo de Espanha e admite que a evolução recente dos números em Portugal também esteja relacionada com a pandemia de covid-19. "A mortalidade está a subir e não me surpreenderia que estivesse a aumentar a demora no Centro Nacional de Pensões", disse.
Quase mais 10 mil mortos
Até 15 de novembro, morreram mais 9640 pessoas do que na mesma altura do ano passado. Ou seja, a mortalidade já está 13% acima da de 2019 e ainda falta contabilizar um mês e meio de 2020, que deverá continuar a puxar os números para cima. A larga maioria das mortes tem como causa a covid-19, mas muitas devem-se a outras patologias, que o Serviço Nacional de Saúde deixou de ter capacidade para acompanhar e à dificuldade de acesso aos cuidados de saúde.
O impacto poderia ser mais bem explicado se fosse possível apurar a causa da estagnação: se houve menos entradas (novos pensionistas) ou mais saídas (por morte). O JN pediu os dados ao Instituto da Segurança Social (ISS) e perguntou que razões encontra para o recuo nas prestações, mas não teve resposta em tempo útil.
Tsunami nos serviços
Uma segunda possível explicação para a evolução nas pensões dirigidas a idosos é o acesso aos serviços. "Não me surpreenderia que tivesse havido um atraso processual. É o que está a acontecer nas novas prestações", diz Fernando Ribeiro Mendes, professor no ISEG e especialista em Segurança Social. Há anos que a Provedoria de Justiça recebe queixas de demoras muito superiores aos 50 dias oficiais. O Governo comprometeu-se a acelerar o processo de aprovação e pagamento das pensões e, em maio, anunciou que caiu para metade o número de processos com atraso superior a três meses.
O JN não conseguiu apurar junto do ISS qual é, hoje, o tempo médio de processamento. Isabel Jonet, do Banco Alimentar, recusa atrasos injustificados da Segurança Social ("a pandemia foi um tsunami que lhes caiu em cima") e assegura que a redução do número de beneficiários de CSI tem causas a montante: houve menos pedidos. "O que sei é que a Segurança Social não dá resposta às necessidades dos utentes", responde Casimiro Menezes, da Confederação de Reformados, Pensionistas e Idosos (MURPI). Mas, no caso do CSI, admite que a dificuldade em marcar reuniões e o medo de apanhar covid-19 levem muitas pessoas a não pedir a prestação.
Espanha nota primeira quebra de pensionistas
Há pelo menos 15 anos que, em Espanha, o número de pensionistas não baixava. Foi o que aconteceu em setembro e outubro, comparando com os mesmos meses de 2019, notou o "El País". O diário encontra duas explicações, assentes na covid-19: a maior demora dos serviços da Segurança Social em processar pedidos e a mortalidade. Note-se que, em Espanha, a mortalidade causada pela covid-19 é duas vezes e meia a de Portugal. Lá, há 94 mortes por cem mil habitantes; cá, o número é de 40 mortes.
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Idade da reforma pode diminuir
Pedro Corte Real, professor na Nova de Lisboa e especialista em Segurança Social, avisa que a idade de reforma poderá diminuir no próximo ano. É que a esperança média de vida poderá baixar.
Como se calcula a idade da reforma
É calculada em função da esperança média de vida: quanto mais as pessoas viverem, mais tarde podem reformar-se sem corte na pensão. Mas este ano, a aumento das mortes de pessoas muito idosas poderá baixar a esperança média de vida. "Não há nada nas regras de cálculo que o impeça", diz Pedro Corte Real.